Positivismo Jurídico e Justiça Constitucional No Século XXI

Positivismo Jurídico e Justiça Constitucional No Século XXI Otto Pfersmann




Resenhas - Positivismo Jurídico e Justiça Constitucional No Século XXI


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Paulo Silas 03/01/2018

O livro de Otto Pfersman reúne dez artigos produzidos pelo autor, os quais foram organizados e traduzidos por Alexandre Pagliarini, cujo processo de elaboração da obra é narrada detalhadamente pelo organizador na introdução. Evidencia Pagliarini que “Otto Pfersmann é autoquestionador (um hamletiano) e autoexplicativo: não são poucos os textos [...] que terminam com uma interrogação (?)”. Daí que a proposta é a de trazer de uma maneira mais concreta (organizada e traduzida) parte da produção e pensamento do autor, a fim de que suas contribuições teórico-reflexivas encontrem o devido espaço no debate jurídico brasileiro.

O primeiro artigo, “Norma de segredo, normas secretas e Estado moderno” traz ao leitor a ideia de que a fundação do Estado moderno se estabelece imperiosamente sob amparo do segredo, a menos, conforme pontua o autor, que se reconheça a natureza dos homens. Ao considerar o segredo enquanto uma questão jurídica, Otto Pfersmann diz que “o Estado que se constrói pode e deve usar a dissimulação”, a não o ser o Estado que aja no sentido da razão – este não poderia recorrer ao segredo em sua estruturação. Trazendo alguns exemplos de “normas secretas” dos Estados, dialoga-se sobre a evolução do Direito, o qual “parece resultar da multiplicação e da complexidade das normas do segredo, por um lado, e do caráter moralmente controvertido da sua justificação, por outro lado”.

No texto seguinte, “O estatuto da vontade na definição positivista da norma jurídica”, Otto Pfersmann trata da ideia da ‘vontade’ no plano jurídico, partindo de Kelsen em suas considerações acerca da temática. Aqui o autor estabelece ‘positivismo jurídico’ como “uma teoria que admite como “jurídicos” somente objetos que possuem suportes observáveis originados de fatos humanos”, e ‘positivismo jurídico normativista’ como “uma teoria positivista que considera como jurídica somente uma categoria ou certo conjunto de categorias de normas”. Isso para buscar responder se a ‘vontade’ daquele ato de vontade oriundo da norma de que diz Kelsen poderia ser constitutiva no que tange às normas jurídicas, ou ainda nas palavras do autor: “por qual razão ela [a vontade] constitui um objeto teórico?”. Para tanto, o autor passa pela crítica do psicologismo, pela crítica do idealismo e pela crítica do realismo, reconhecendo, no entanto, que há aí um “trilema da vontade na definição positivista da norma jurídica”, já que uma das três correntes apresentadas (pelo crivo crítico) deve ser escolhida para tratar da questão, de modo que “ou confundimos o ser e o dever-ser, ou idealizamos as normas sem poder articular sua relação com uma realidade observável, ou somos como o rei Midas e tudo o que vemos se transforma em Direito sem que possamos estabelecer uma ligação entre esses fenômenos”.

O livro segue com “Prolegômenos para uma Teoria Normativista do “Estado de Direito””, onde o autor ao elencar o Estado nazista como um que pode ser considerado Estado de Direito, e a partir das definições de Kelsen sobre as identificações de ‘Estado’, ‘Direito’ e ‘Estado de Direito’, demonstra que a partir dessas linhas pode-se “afastar a pertinência de toda Teoria Normativista do Estado de Direito”. O que autor busca demonstrar nesse texto é que é possível defender a mencionada teoria, uma vez que é a partir de seu fundamento que se pode erigir classificações de ordem jurídica – isso “de acordo com as exigências morais e políticas traduzidas em dados jurídicos”. E é justamente o que Otto Pfersmann demonstra no artigo: que se permite demonstrar a autonomia do Estado de Direito a partir de um procedimento normativista.

“Princípio Majoritário e Democracia Jurídica. A propósito de um argumento de Kelsen revisto por Michel Troper” é o capítulo seguinte da obra. Nesse, Otto Pfersmann trata da ideia de ‘oligarquia oculta’ ao analisar as críticas de Michel Troper (não marcadas pela originalidade, conforme aduz o autor) sobre a democracia constitucional. Para tanto, o autor vai estabelecer o que se entende por democracia juridicamente estabilizada e pontuar as possibilidades acerca de sua estrutura, analisando-a em paralelo com o que vai chamar de democracia empírica. Feitas diversas reflexões sobre o funcionamento de uma democracia, Otto conclui que “a oposição entre a democracia empírica absoluta e a democracia constitucional deixa aparecer que a diferença entre as duas consiste bem menos no modo de decisão que no método da sua organização”. Disso, aduz que se o Direito for possível como relação empírica de poder, as democracias seriam apenas democracias culturais, enquanto se o Direito for possível como sistema de normas, as democracias estabilizadas deveriam ser necessariamente delimitadas por regras supramajoritárias.

Otto segue com “Não há governo de juízes”, capítulo em que questiona os usos possíveis do termo que o nomeia, uma vez que por “governo dos juízes” pode ou não se extrair um significado que tenha um valor explicativo para a ciência do direito. Para Otto, “o uso retórico não é idêntico ao uso doutrinal”, e tal preocupação se dá pelo fato de entender que se de fato existir uma conceituação para o termo, essa será complexa, não podendo ser resumida seu uso ao mero uso da palavra para o convencimento de uma plateia. Assim, o autor vai delimitar pontualmente as possíveis explanações (por meio de propostas) para o termo “governo” e para o termo “juízes”, a fim de, a partir disso, discorrer sobre as implicações cabíveis nesse seu exercício de reflexão. Todo juiz exerce poderes, assim como todo juiz exerce competências específicas, poderes e competências regrados normativamente, de modo que não haveria sentido se falar em governabilidade de juízes quando estes adstritos aos poderes inerentes de sua função.

O sexto capítulo, “O recurso direto: entre proteção jurídica e constitucionalidade objetiva”, traz ao leitor as considerações do autor sobre as possiblidades de acesso pelas pessoas de um determinado Estado ao juiz constitucional. Utilizando-se do direito comparado, a saber, mediante a explanação de como funciona em alguns países europeus (Alemanha, Áustria, Espanha e França) o exercício de recurso ao juízo constitucional, Otto Pfersmann analisa objetivamente as benesses de um sistema onde o controle de constitucionalidade corretivo seja possível e previsto, pontuando suas percepções sobre de que modo isso funciona nos países analisados.

“O reenvio prejudicial sobre exceção de inconstitucionalidade: o novo procedimento de controle concreto a posteriori”, sétimo capítulo, contém uma análise do autor sobre a estrutura de justiça constitucional adquirida pela França quando da instituição da revisão constitucional. Diante da forma pela qual o controle de constitucionalidade se desenvolveu na França, Otto Pfersmann justifica o interesse despertado na matéria ao considerar que esse controle se revela “extremamente eficaz, mas essa eficácia é, contudo, sob outros aspectos, precária”. Diante disso, traz ao leitor as especificidades sobre como se dá esse controle francês.

O livro segue com “Classificações organocêntricas e classificações normocêntricas da justiça constitucional em Direito Comparado”, onde há a proposta de uma “classificação de acordo com as concepções de determinação dinâmica das noras incorretas” quanto aos sistemas de justiça constitucional segundo critérios de da jurisdição competente de acordo com sua especialização. Após analisar, pela ótica do direito comparado, os modelos americano e europeu de sistema de justiça constitucional, Otto destaca a oposição entre essas num sentido específico, expondo uma tipologia que permita “analisar as relações entre as hierarquias normativas e a organização jurisdicional”.

O nono capítulo da obra é “O primado do Direito Comunitário: duplo, parcialmente direto, organicamente indeterminado, e provisoriamente fechado”. Nesse o autor estabelece o primado do Direito Comunitário como sendo “o aspecto mais marcante da construção jurídica da integração europeia”, passando a expor o ‘primado’ enquanto uma construção do Tribunal de Justiça da União Europeia, tratando-se tal de um princípio do Direito Comunitário, de modo que a análise se dá a partir da possibilidade de diferentes pontos de vista.

Finalmente, o livro encerra com o capítulo “Contra o pluralismo mundializante. Por um monismo jurídico aberto e diferenciado”, onde Otto Pfersmann faz duras críticas ao pluralismo jurídico, uma vez que tal proposta, em suas variadas formas, ou parte de premissas equivocadas ou não se sustenta. As refutações que o pluralismo busca fazer contra o monismo partiriam de ideias equivocadas. Seja como for, monismo e pluralismo dizem respeito a uma ontologia jurídica, uma vez que “o pluralismo é geralmente oposto ao monismo como teoria segundo a qual não haveria ligação entre os sistemas jurídicos que se desenvolveriam lado ao lado, enquanto o monismo expressaria a ideia de que todos os fenômenos jurídicos são ligados uns aos outros de maneira de uma maneira ou de outra, e que haveria somente um mundo jurídico”. O autor vai, a partir disso, apresentar essas duas vertentes em suas variadas perspectivas que podem ser apresentadas, estabelecendo na sequencia suas refutações contra o “mal-entendido pluralista” ao apontar os seus equívocos com relação às denunciações feitas ao monismo, às suas próprias premissas e pela ausência de uma teoria da ligação jurídica. Diante dos variados tipos de monismos e pluralismos, Otto Pfersmann ainda esclarece que o que defende é “o abandono do monismo geral necessário, assim como [defende] um monismo ou pluralismo abeto de acordo com a existência de ligações jurídicas efetivamente identificáveis”.

É um livro complexo. A técnica de autoquestionamento do autor gera reflexos no leitor atento, o qual passa também a se autoquestionar. Haja concordância ou divergência das exposições articuladas por Otto Pfersmann, não se pode negar que sua produção séria e fundamentada é salutar para que o diálogo crítico sobre a teoria do direito se mantenha sempre presente.
Vale a leitura!
comentários(0)comente



1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR