Marcelo Rissi 22/07/2022
O pai da menina morta (Tiago Ferro)
"O pai da menina morta". Fim da leitura.
Não entendi (ou não sei se entendi). Acredito que o intuito era esse mesmo, na verdade. Compreendi, porém, o cerne da narrativa.
A história é construída a partir de - e exclusivamente por - digressões e fluxos de pensamentos desconexos, que parecem sintomas ou efeitos dos delírios e das alucinações provocadas pelo luto (decorrentes da morte da filha pequena do autor-narrador-personagem). É, de fato, uma dor insondável, que, por certo, causou toda essa confusão e esse vórtice internos, refletidos numa narrativa não apenas abstrata e onírica, mas desconexa e um tanto ininteligível.
Esse enredo labiríntico e aparentemente sem sentido deve ser o retrato, formado por uma sequência de diversos ?recortes?, da mente inquieta, abalada e aturdida do autor-narrador-personagem.
Em suma, há, aqui, apenas uma sequência de fragmentos desconexos e sem sentido de reflexões e pensamentos aleatórios (tudo, claro, elaborado intencionalmente pelo autor). Nunca li nada parecido, embora, pelo que pesquisei, essa técnica narrativa exista, não havendo, portanto, ineditismo.
Talvez o problema, na verdade, esteja comigo, que não captei a mensagem ou não percebi a beleza da obra (que deve ser, de fato, ótima, pois finalista do prêmio Jabuti). Confesso, aliás, que, por motivos muito pessoais, tenho enorme dificuldade com narrativas que abordam a questão do luto. Parte do "problema" deve estar aí, portanto.
Friso, novamente. Eu realmente desejava - e, com afinco, tentei - ter gostado mais desse livro. Essa leitura, infelizmente, não foi para mim. De todo modo, considero bastante válida - e, arriscaria dizer, até necessária! - a imersão nessa experiência literária, seja pela sua audácia, seja pela forma pouco usual de construção narrativa (o que provoca incômodos ao leitor, não bastasse, por si só, o penoso assunto abordado).
Ao autor, louvo enfaticamente a bravura e a coragem por enfrentar um tema tão pessoal, íntimo e, mais que isso, intimamente doloroso. A obra, ainda que com um enredo estranho ao meu ?paladar?, vale muito pela sua proposta, seu conceito e sua mensagem.
Minha solidariedade e meu abraço fraterno ao autor, por sua perda e por sua dor insondável. Mais que mera retórica, eufemismos ou abstrações, ele sentiu na pele - para além das figuras de linguagem e das técnicas narrativas utilizadas - tudo o que ele descreveu. Sentiu, aliás, muito mais. Experimentou algo que o limite das palavras não alcança: a dor lancinante de um luto que fugiu ao ciclo natural da vida. As agruras de um pai que enterrou a própria filha, ainda bebê. Uma lastimável fatalidade.
Obra atordoante. Estraçalhou-me. Estilhaçou-me.