Yasvie 18/10/2022
Essa não é uma história feliz.
É fácil de visualizar. Um mundo pôs-apocalíptico que foi destruído por uma inteligência artificial que começou ingenuamente como um simples computador criado pelos humanos, mas que ficou tão mais poderoso que os destruiu. O ser conhecido como AM, cheio de raiva e rancor decidiu manter vivos apenas cinco pessoas para tortura-los pela eternidade, o que já dura aproximadamente 109 anos.
E a AM sabe fazer muito bem o seu trabalho. Sinceramente as formas de dor infligidas e agonia que os cinco sentem são realmente angustiantes de se ler, mas falta uma certa profundidade nos personagens, o que faz com que não nos apeguemos tanto ao que lhes acontece, e quando o narrador, Ted, descorda de algum dos cinco ou reclama deles não é exatamente possível dizer se ele tem um ponto interessante ou não porque não há um passado que confirme nada.
Claro que se tratando de um conto as coisas precisam ser curtas, porém nesse caso existem buracos até de mais, e os questionamentos são importantes para o contexto final, e até mesmo para debates sobre se tudo narrado foi proposital como forma de demonstrar a perversidade da AM ou foi só um preconceito do próprio autor.
Por exemplo não sabemos como eles são mantidos vivos, mas isso é compreensível já que lemos pelo ponto de vista de uma dessas cinco pessoas, mas é difícil compreender com exatidão se eles estão mesmo fisicamente vivos ou só suas almas estão sendo torturada. Se eles estão na terra que foi destruída ou se literalmente na barriga da máquina. E que barriga seria essa? Ou até mesmo o motivo real disso tudo, já que a raiva não é nem um pouco justificada para com aquelas pessoas em específico.
A ÚNICA personagem feminina, Ellen, é extremamente maltratada, sexualmente e fisicamente pelos outros personagens que são todos homens, e que por terem todas suas características principais modificadas pela AM acabam por agir de forma diferente do esperado, e é isso que se entende pelas ações da Ellen, de como ela é tão passiva aos abusos e de como ela merece justamente por aquilo por supostamente gostar do que lhe acontece, e esse é o papel dela lá, um papel que deveria parecer como uma das muitas torturas mas sinceramente parece só um ponto de misoginia e machismo gratuitos já que ela não tem nenhuma outra função e recebe ódio gratuito do Ted e dos outros o tempo todo.
E porque o Ted é o favorito? Devemos supor que seja, assim como ele mesmo diz, o amor de Deus pelo seu filho favorito, mas, como ele próprio também diz, a AM não é Deus, então nada se encaixa pois sendo assim como o Ted descobriu uma forma de fugir daquilo tudo? Particularmente acredito que no fundo foi porque o Ted era o que mais odiava os outros quatro tanto quanto a AM os odiava. Imagem e semelhança.
Mas o final é consideravelmente interessante e realmente assustador, o nome do conto é o fim, a última frase, que significa algo literal mas também poético, porque mesmo que ele consiga gritar somente a AM o escutará e de que isso vale se só seu torturador te escuta, e de que isso vale se não existe mais ninguém para responder. E somente depois de tantos anos os odiando, 109, o Ted percebe que preferia a companhia do que sobreviver ali destruído mas consciente de tudo. Melhor viver com ódio do que viver sozinho.