O romance luminoso

O romance luminoso Mario Levrero




Resenhas - O Romance Luminoso


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Andressa 01/03/2024

De romancista e louco todo mundo tem um pouco
Tadinho desse homem. Destaco o melhor trecho do livro:

?Neste exato instante, por exemplo, mais do que estar escrevendo, queria estar, por exemplo, bolando um jogo de computador, gravando um filme, tocando algo de Bach no órgão de uma catedral antiga (europeia), ou simplesmente plantando minha semente numa série de ventres femininos,pô-los em fileira um ao lado do outro até onde minha vista alcança. (?) Dizendo com palavras mais duras e exatas, escrever é mais barato e menos perigoso, ou mais cômodo para mim. Sou Preguiçoso e covarde, além de pobre; devo, portanto, resignar-me a escrever e, ainda, dar graças a isso.?


Representatividade importa
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Ferferferfer 15/09/2023

Era melhor ter visto o filme do Pelé
Há outros títulos melhores para se ler na América Latina. De verdade, escolha qualquer outro do que esse. Se ainda assim quiser ler, boa sorte.
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Egberto Vital 04/06/2023

Primeira obra de Levrero que eu leio e posso dizer que me surpreendeu positivamente, a pesar dos estranhamentos. "O Romance Luminoso", de Mario Levrero, é uma obra que surpreende pela sua construção e que, às vezes, incomoda pela trivialidade temática.

Vamos seguir o relato de um narrador que está em crise pessoal, pois não consegue dar continuidade à construção de um romance que deve entregar aos seus agentes, pois recebe uma bolsa de financiamento para escrevê-lo, e o que ele consegue entregar é um longo diário acerca da sua angústia em não conseguir (Ou não querer? Ou ter preguiça de...?) escrever o texto.

Podemos dizer que o Romance Luminoso é, na verdade, o próprio diário cotidiano desse narrador, mas ao mesmo tempo são os fragmentos daquele que fora iniciado antes e não chegou a ser concluído, bem como ainda é um tratado acerca do não conseguir fugir da procrastinação do ato de escrever (mesmo que nunca se pare de escrever). É, também, um relato sobre o desejo de se escrever um romance, mas que, em seu resultado final, não era o romance esperado, mas que acaba sendo o produto final a ser entregue.

Diante de tudo aquilo que não se pode narrar, Levrero constrói o Romance Luminoso que, antes de cair no jogo fácil de dizer que é uma obra inclassificável, devemos encarar como um romance acerca das experiências luminosas que agenciam um escritor em crise e que expõem ao leitor as suas fissuras.
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Paulo 29/05/2023

Difícil descrever, maravilhoso de ler
Esse livro é ao mesmo tempo sobre aquilo que é mais banal e também mais precioso na vida do autor.

?A fé dele é a única coisa que me permito invejar em sã consciência. Graças a essa fé, ele podia se instalar em qualquer lugar como se estivesse em sua casa, em qualquer parte do mundo e em qualquer circunstância. Eu, por outro lado, mesmo em minha própria casa, estou permanentemente inquieto, como se temesse incomodar, ou que venham me desalojar a qualquer momento; mesmo nas épocas em que moro sozinho.?
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Tana 14/08/2022

Experiência de leitura
A primeira parte do livro se intitulada O diário da bolsa, e nada mais é que o diário de vida de um sessentão, uma auto ficção. Ele pasa o tempo falando de sua autossabotagem, da procrastinaçao, dos seus horarios e do dia a dia. Não acontece nada, ou praticamente nada, mas os pequenos fatos: a vista dos amigos, a morte dos conhecidos, o ar condicionado, os mosquitos, o computador, as mulheres, a pornografia, as leituras e as pombas, vão chegando ao nosso coração. Essa honestidade nos faz criar laços estreitos com o autor.

A lista desordenada de leituras, com ênfase nos romances policiais é uma obsessão à parte, que foi prazeirosamente anotada.

Nas últimas 150 páginas mais ou menos, temos o romance luminoso propriamente dito. O que para mim encantou um pouco menos, mas que segue sendo m monólogo sobre a vida, sobre Deus, sexo, encontros paranormais...

É um desses livros que nos marcam pela experiência, que não se pode explicar... precisam ser lidos para entendê-los.
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Debora 24/06/2022

Excelentes insights sem grande enredo
Consegui vencer esta leitura graças às discussões acontecendo no grupo com o qual li. Isso porque o livro tem muitas passagens bonitas e insights importantes, o que gosto bastante.
Mas o formato de diário em 80% do livro e a falta de um enredo geral me cansou em alguns momentos.
Eu não faço resenhas, costumo anotar aqui minhas impressões de leitura. Então o que eu digo é que ler este livro em conjunto é muito bom. Mas ler sozinho é uma jornada que me parece cansativa, haja vista as repetições de um diário e o comportamento obsessivo do autor e/ou do personagem.
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Éfi 01/03/2022

Escapatória
1º livro lido em 22.

Enfim, terminei.

Esse sentença pode parecer de lástima, mas não é. Leio esse livro há meses e o fato de não tê-lo concluído antes se deve, primeira e conscientemente, ao fato de não desejar que ele chegasse ao fim.

Já nas primeiras páginas o livro foi capaz de iniciar um processo terapêutico intenso em mim. Explico: há tempos que tento ter um diário e lhe dar a devida atenção. Nessas minhas procuras por silêncio, autocontrole, autorreflexão, minimalismo, essencialismo, distanciamento das futilidades, etc, sempre foi sugerido a manutenção de um diário.
Ocorre que nunca consegui. Nunca encontrei um caminho de escrita que pudesse ser, senão diário, ao menos recorrente. Porém, eis que O romance luminoso veio e plim! A ideia do diário foi iniciada e está sendo mantida até então. Pelos meus registros, minha primeira escrita se deu em 03 de setembro de 2021, data que devo ter começado a leitura desse livro? e que livro!

As reflexões de Mario ainda latejam aqui, porque é exatamente tudo que muitos de nós vivemos. Vemos. Sentimos. Desaminamos. É instigante ler sobre a vida do outro, hein (leram Relações/Ligações Perigosas de Laclos? Comecei e não terminei, mas é uma delícia infernal ter acesso aos segredos dos outros).

Não posso negar: a leitura nem sempre foi prazerosa. Caso Levrero não tivesse sido responsável por determinada ferramenta escapatória e aliviativa (ignorem caso essa palavra não exista) para meus dias, o teria abandonado em certa altura. Mas estive lá. Permaneci. Muito por gratidão, menos por interesse, embora, em certos momentos de insistência, ele me surpreendesse e me fizesse beber de sua palavras de novo e com novo sabor. E assim foi até o fim.

Recomendaria sim, óbvio, claro, quem sou eu para não recomendar um autor desses (e, para ser honesta, quem sou eu também para recomendar?).

Aqui, reforço minha máxima: ler (e escrever) é automedicar-se. ?
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Alan360 05/12/2020

Diário de um procrastinador
É basicamente o diário de um escritor procrastinador (4/5 do livro). Ele escreve de uma forma tão envolvente que faz dos simples acontecimentos do dia-a-dia, como a visita de um eletricista ou a ida a uma banca de livros, pequenos belos contos. E o Romance Luminoso, propriamente dito (1/5 do livro), no final, mais especificamente, o capítulo "Primeira comunhão" é de uma beleza sem igual. Excelente livro.
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Dayse Lima 21/05/2019

Experiência luminosa
Terminei de ler O Romance Luminoso, do uruguaio Mario Levrero (1940-2004), no finalzinho do ano passado e deixei que as impressões decantassem. Li algumas outras resenhas e verifiquei que a maioria delas, senão todas, adiantava o enredo da obra, o que de resto está escrito na própria quarta capa. Não foram em menor número os leitores e os críticos que compartilharam a comoção trazida pela escrita espontânea e direta das angústias, trivialidades, alegrias e dores passadas pelo autor/narrador, como o crítico Nelson Vasconcelos, que, em abril de 2018 (O Globo), enfatizou o ?estilo? especial do uruguaio para contar trivialidades:

“Com boa dose de honestidade, humor peculiar e duas gotinhas de lirismo, é leitura obrigatória para quem gosta de novidades. À primeira vista, a conversa pode até parecer demasiado solta, desinteressada, sem exatamente uma trama ? mas a forma de narrar é que interessa, é ela que faz a literatura de Levrero marcar sua presença logo de imediato. Ele próprio ensina: quando tratamos de coisas triviais, não sobra nada se não houver encanto no estilo. É uma dica preciosa, que extrapola o ofício literário e pode ser aplicada a qualquer momento da vida”.

O livro ficou um bom tempo repousando à minha cabeceira, esperando o momento de ser retomado para apurar esta resenha, até que desisti de escrevê-la por considerar que tudo já havia sido dito. Hoje, quase seis meses depois de terminar a leitura, decidi rascunhar sobre as emoções que o livro revolveu e sobre os sentimentos que despertou - de compaixão, intimidade, humanidade - tão intraduzíveis de tão banais, que eu só pude, muitas vezes, exprimir em lágrimas.

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Renato 23/10/2018

O Iluminado
O que é um bom livro? É tão difícil responder, talvez não haja uma resposta. Até porque todo argumento utilizado para dizer que um livro é bom pode ser aplicado a um que é ruim. Contar uma boa história faz um livro ser bom. Sem dúvida, mas bons contadores de histórias nem sempre escrevem como escritores e muitos livros não têm histórias para contar.
Talvez esteja nas ideias que o livro discute a sua qualidade. Mas no terreno das ideias estão mais as identidades e as próprias ideias, nem sempre a literatura. Um bom ensaio não é literatura, às vezes lemos livros que são belos, bem narrados, emocionam. São boa literatura, ainda que uma literatura que apele para o sentimento frequentemente não venha a ser vista como literatura.
A literatura se basta.
Mas nada mais místico ou autoritário que um argumento vazio.
O que encanta em "O Romance Luminoso", obra póstuma de Mario Levrero. Certamente não é o enredo, pois necessariamente ele não tem um. É um diário, onde ele descreve sua rotina de depressão, a luta com as janelas do windows em seu computador, seu quase romance com CHL. Ainda assim ele prende, ele encanta, nos faz querer ler cada vez mais, ainda que pareça não ter ideia ou ações muitas vezes. Levrer narra. E no meio de suas narrativas, ele reflete. O leitor aguarda uma nova reflexão. Em seu metarromance, ele faz crítica literária, teoria estética, autoficção. Tudo imerso numa série de fatos irrelevantes que são igualmente sedutores.
Talvez a literatura seja a capacidade de imersão na mente do outro. Talvez. Ainda assim, "O Romance Luminoso" é genial.
"É um excelente escritor, por algum motivo menosprezado. Eu mesmo o menosprezava, talvez porque teve muito sucesso, e porque sua forma narrativa é bastante humilde. Lembro-me de que na minha casa havia vários livros dele, que estava na moda quando eu era criança ou bem jovem, e inclusive passaram pelas minhas mãos vários exemplares desses mesmos livros quando eu era livreiro, e nunca cheguei a lê-los. É muito provável que, se tivesse lido, naquela época, não me interessariam nem um pouco. Quando se é jovem e inexperiente, procura-se nos livros enredos chamativos, assim como nos filmes. Com o passar do tempo, a pessoa vai descobrindo que o argumento não tem grande importância; o estilo, a forma de narrar, é tudo. Assim, posso assistir ao mesmo filme ou ler o mesmo livro inúmeras vezes, inclusive um romance policial cuja resolução eu me lembro de cabeça."
"Continuo interrompendo sra. Rosa Chacel; com Beckett, agora, e com um livro sobre Beckett, um ensaio com algumas anotações biográficas que achei muito interessante, apesar de os ensaios me cansarem. Mas minha curiosidade por Beckett era muito grande, e esse livro me iluminou várias coisas. Antes tinha lido um conto muito, muito cômico chamado “Primeiro amor”, e agora estou lendo outros contos. Beckett sempre consegue me arrancar gargalhadas. Sei, é claro, que sua obra não se esgota na comicidade, e esta é precisamente uma das minhas discrepâncias com o autor desse livro aí. O autor refuta quem busca significados filosóficos especiais em Beckett e interpreta sua obra a partir desses significados; com isso estou perfeitamente de acordo. Também penso que a Arte, em geral, não deve ser medida pelo conteúdo. Mas o autor, um alemão, exagera um pouco ao tirar toda a importância dos significados. Em parte se guia pelo que o próprio Beckett diz, mas é sabido que os autores nunca dizem exatamente a verdade acerca das suas obras, muitas vezes porque a desconhecem. O que quero dizer, acerca da minha discrepância com o alemão, é que: está bem, Beckett não constrói suas obras em função de nenhum significado ou mensagem ou ideologia, e assim deve ser a Arte; perfeito. Mas minha discrepância está no fato de que não dá no mesmo um personagem se chamar Godot ou de outra maneira. Esse Godot tem um significado, evidentemente uma referência a Deus. Isso, estou de acordo, não explica a obra nem o que dá força a ela, ou o que justifica sua existência; mas não neguemos o fato de que também possui significados na obra. O importante da literatura não está nas suas significações, mas isso não quer dizer que as significações não existam e que não tenham sua importância. Muitas vezes disse e escrevi: “Se eu quisesse transmitir uma mensagem ideológica, escreveria um panfleto”, com estas ou outras palavras. Mas isso não quer dizer que minha literatura não expõe ideias, ou que não vale a pena mencionar essas ideias."
"Estou entediado. É duro ter que confessar isso, confessar a mim mesmo, mas é verdade. Nunca pude entender as pessoas que se entediam, e sempre incomodei os entediados apontando-lhes a etimologia da palavra em espanhol, aburrido. Hoje foi minha vez. “Sinto horror de mim mesmo”; “estou aborrecido”. Durante cinco anos estive preparando essa armadilha mortal, transferindo meus interesses, um por um, à máquina prodigiosa. Hoje quase tudo que é minha vida está ali dentro, e agora a máquina está desligada. Desde ontem, segunda-feira, às seis e meia da noite (sim, passei uns minutos do horário-limite, mas tinha minhas razões; tive que preparar a impressão de alguns gráficos para a minha médica, gráficos e outros dados que finalmente decidiram pela suspensão do tratamento com o antidepressivo por não ter tido resultados significativos no que diz respeito à diminuição da quantidade diária de cigarros que consumo) (dezessete vírgula três contra dezenove dos meses anteriores ao tratamento) (aproximadamente uns dois por cento, ao longo de dois meses e meio) (é verdade que há algumas coisas a favor do tratamento, que não vou explicar aqui, mas a decisão da minha médica me parece correta) (em outro assunto paralelo, a pressão arterial parece ter se mantido estável: catorze por oito). Dizia que estou entediado, e devo analisar um pouco esse estado. O tédio vem misturado com algo mais forte, algo como uns surtos que me atacam, de quando em quando, de um sentimento parecido com pânico ou com uma extrema desolação; como se, de um momento para o outro, tudo fosse perder seu significado. Nesses momentos, minha vista se dirige para o local onde está o computador. Não o enxergo, porque estou separado dele por uma parede, mas não tenho dúvidas da intenção do movimento dos meus olhos, porque junto aos olhos há algo que se move dentro do meu peito. É algo parecido àquela laceração que senti quando estava prestes a descer do carro de Chl, mas não tão intenso, é claro. Doloroso, ainda assim. Ao mesmo tempo, noto que a maioria dos meus pensamentos continua dirigida ao computador, à linguagem de programação e, em geral, a qualquer coisa que tenha uma mínima relação com a máquina. Resisti até agora ao impulso de ligá-lo, embora tenha boas razões para isso (certas questões práticas); decidi que isso ficaria para mais tarde, no horário permitido (das oito da manhã até a meia-noite; amanhã, por ser terça-feira e, portanto, dia da oficina virtual, eu me permito, assim como nos sábados, um horário extenso)."
"Você diz: partirei para outra terra, outro mar, para uma cidade muito mais bela do que esta pôde ser ou almejar… Esta cidade onde cada passo aperta o nó corredio, um coração num corpo enterrado e empoeirado. Quanto tempo terei que ficar confinado nestes tristes subúrbios do pensamento mais vulgar? Onde quer que eu olhe alçam-se as negras ruínas de minha vida. Quantos anos passei aqui desperdiçando, jogando fora, sem benefício algum… Não há terra nova, meu amigo, nem mar novo, pois a cidade te perseguirá, pelas mesmas ruas andarás interminavelmente, os mesmos subúrbios mentais vão da juventude à velhice, e na mesma casa acabarás grisalho… A cidade é uma jaula. Não há outro lugar, sempre o mesmo porto terreno, e não há barco que te arranque de ti mesmo. Ah! Não compreendes que, ao arruinar tua vida inteira neste lugar, você a desgraçou em qualquer parte do mundo?"
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jota 09/07/2018

Obra póstuma iluminada...
Enquanto lia este livro interminável (são 648 páginas), aproveitei para assistir a muitos jogos da Copa na Rússia, muitos deles mais empolgantes do que várias páginas deste ou de outros livros, pois em campo as coisas têm de ser resolvidas em 90 minutos de partida. Ou, em certas ocasiões, em 120 minutos ou até mesmo com a cobrança de pênaltis, coisa de arrepiar. Por isso levei mais de um mês para terminar O Romance Luminoso, que em sua totalidade é de leitura muito fácil e quase sempre agradável, ainda que muitas vezes o autor repita situações que já conhecemos muito bem.

Além de ver os jogos aproveitei para ler alguns contos de Kafka (Contos Absurdos) e também O Sobrinho de Wittgenstein, de Thomas Bernhard. Dentre vários autores conhecidos, Bernhard é um dos que Mario Levrero (1940-2004) leu e aproveita para fazer comentários sobre ele aqui. Apesar de apreciar a obra do austríaco, numa conversa de bar ele e um amigo concordam que Bernhard pessoalmente devia ser um "(...) sujeito insuportável (...) e ainda por cima temível." Genial e genioso, enfim. Sobre O Sobrinho de Wittgenstein ele escreve que, apesar de apresentar trechos memoráveis, apreciou-o menos do que outros livros dele "(...) que me causam o efeito oposto: não consigo parar de lê-los, é difícil fazer uma pausa, pela força hipnótica do seu estilo tão, mas tão louco."

Quanto a O Romance Luminoso ele é, resumidamente, sobre a arte de escrever, as atribulações de um escritor. Mas é também sobre muitas outras coisas e assim todo candidato a escritor deveria lê-lo para ver que é possível (desde que se tenha talento, evidentemente) escrever sobre praticamente tudo que nos cerca e nós mesmos. Daí que o leitor fica interessado até quando Levrero narra a compra e instalação de dois aparelhos de ar-condicionado, que consomem muita energia elétrica e igualmente muitas páginas do livro. Outras aparentes banalidades são contempladas: a dificuldade de dormir nos horários certos, programas de computador feitos pelo próprio autor (em Visual Basic) ou baixados da internet (que funcionava com linha discada, então; eram os anos 2000, por aí), fora inúmeros problemas e trocas de equipamento de informática etc. Tudo é narrado na forma de um diário que ocupa cerca de 80% da obra.

E as manias de Levrero continuam, claro: remédios, pornografia, superstições, observar pombas no telhado do edifício vizinho ao que reside, contar sobre seu relacionamento com diversas mulheres e muita coisa mais. Assuntos que volta e meia estão a ocupar muitas páginas do livro e que às vezes se repetem, conforme já afirmei. Enquanto isso, o romance inacabado pelo qual ganhou uma bolsa de uma fundação americana, a Guggenheim, para terminar vai sendo deixado de lado e isso ora o preocupa ora não, pois os seus americanos não lhe parecem ser tão rigorosos assim no cumprimento de prazos quando se trata de uma obra literária. O tal romance luminoso que ele tem de terminar ou sobre o que ele seria de fato aparece com maior intensidade nas páginas finais desta obra (ocupam cerca de 20% do total do texto) e aí se destaca todo o talento do autor uruguaio, que vai muito além da narração de sua desorganizada e complicada rotina de vida.

Bem, vou parando neste parágrafo porque além de a sinopse da Companhia das Letras já trazer um resumo bastante esclarecedor sobre o livro há duas resenhas muito boas sobre ele (a do Kovacs e a da Camila). De Levrero eu havia lido em 2015 Deixa Comigo e achei a história apenas mediana (três estrelas). Este é melhor, mais complexo, mas discordo de que seja a segunda obra mais importante da ficção latino-americana depois de 2666, de Roberto Bolaños (autor que nunca li), como quer a Companhia das Letras. Se assim fosse, a fama de Levrero e deste livro já deveriam ter alcançado patamares como os de, por exemplo, Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez) ou Conversa na Catedral (Mario Vargas Llosa), só para citar dois respeitadíssimos escritores da região. Sem falar de Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) ou Crônica da Casa Assassinada (Lúcio Cardoso), obras-primas de nossa literatura.

Lido entre 04.06 e 08.07.2018.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 13/06/2018

Mario Levrero - O Romance Luminoso
Editora Companhia das Letras - 648 Páginas - Tradução de Antônio Xerxenesky - Publicação original: 2005, Lançamento no Brasil: 13/04/2018.

Este romance póstumo do uruguaio Mario Levrero (1940-2004), em excelente tradução de Antônio Xerxenesky, é o segundo livro do autor lançado no Brasil (o primeiro, Deixa Comigo, foi publicado pela Editora Rocco em 2013 para a coleção "Otra Língua" organizada por Joca Reiners Terron). O estilo do Romance Luminoso é um exemplo do que costumamos classificar como metaficção, ou seja, uma narrativa ficcional que tematiza o próprio processo da escrita literária, transformando o autor em personagem. Contudo, aqui é explorado um tipo de problema bem específico enfrentado durante a elaboração de um texto e, no entanto, comum a muitos escritores: a procrastinação, o adiamento sucessivo da tarefa de escrever, a luta para superar o bloqueio criativo.

Mario Levrero recebeu uma bolsa da Fundação Guggenheim no ano 2000 para concluir um romance inacabado que havia iniciado em 1984 e abandonado com apenas cinco capítulos, O Romance Luminoso, de cunho autobiográfico. Ele iniciou então um diário detalhado que chamou de "diário da bolsa", de agosto de 2000 até agosto de 2001. O período coberto pelo diário é coincidente com o final de uma relação amorosa importante e, de certa forma, é o "testemunho de um fracasso" já que foi impossível para Levrero retomar o antigo projeto que acabou ficando com a sua forma e tamanho originais, de aproximadamente 140 páginas, enquanto o diário de mais de 500 páginas, publicado como um "prólogo" assumiu a identidade do próprio romance.

Mas, afinal, que fatos extraordinários poderiam ser narrados a partir do cotidiano de um escritor rabugento e hipocondríaco de 60 anos, que praticamente não sai de casa, vive "insuportavelmente sujo", trocando o dia pela noite, viciado em desenvolver programas de computador, jogos e pornografia na internet e a leitura de policiais baratos? "Há coisas que não podem ser narradas", segundo Levrero afirma em seu prefácio, mas ele mesmo nos prova o contrário com seu brilhantismo narrativo, mesmo quando os temas são difíceis, como a velhice, solidão e morte. De qualquer forma, neste livro confirmamos que o argumento não tem grande importância; o estilo, a forma de narrar, é tudo. Por exemplo, o trecho abaixo é uma hipotética carta, muito bem-humorada, à Fundação Guggenheim, patrocinadora do projeto, na figura do "Sr. Guggenheim", onde Levrero resume o seu impasse criativo.

"Prezado sr. Guggenheim, espero que esteja consciente dos esforços, registrados neste diário, para melhorar meus maus hábitos, pelo menos alguns deles, ao menos na medida em que me impedem de me dedicar plenamente ao projeto de escrever esse romance que o senhor tão generosamente financiou. O senhor pode ver que faço tudo o que está humanamente ao meu alcance, mas tropeço de vez em quando contra esse monte de escombros que eu mesmo, certa vez, derrubei no meu caminho. É necessário remover totalmente esses escombros para poder continuar andando; digo isso porque me conheço e sei, ainda por cima, que não consigo atingir a inspiração de outra maneira. Porque a inspiração de que preciso para este romance não é qualquer uma, mas uma inspiração determinada, ligada a acontecimentos que jazem na minha memória e que devo reviver, à força, para que essa continuação do romance seja uma verdadeira continuação e não um simulacro. Não quero usar meu ofício. Não quero imitar a mim mesmo. Não quero retomar o romance a partir de onde o larguei há dezesseis anos e continuá-lo como se não tivesse acontecido nada. Eu mudei, Meus pontos de vista mudaram. Minha memória mudou, e com certeza alterou os fatos. Lembro-me muito bem, diria quase perfeitamente, para além de pequenas variações inevitáveis — porque a memória é dinâmica e criativa; como já disse muitas vezes, ela põe e tira várias coisas por conta própria (...)" (Págs. 109 - 110)

Em muitas passagens, Levrero comenta os seus gostos literários a partir de autores como: Somerset Maugham, Franz Kafka, Samuel Beckett, Thomas Bernhard, Peter Handke, William Burroughs, J. D. Salinger e Philip K. Dick, assim como seus romances policiais prediletos, partindo de alguns nomes consagrados no estilo como: Edgar Wallace, Ellery Queen ou Dashiell Hammett até uma série de escritores desconhecidos de coleções populares. Na área da música ele confessa a predileção por Villa-Lobos e a sua total aversão à ópera que "pode levar as pessoas a proferir esses gritos monstruosos, repulsivos, a forçar a voz dessa maneira antinatural, insolente, afetada, como se participassem de uma competição nas Olimpíadas, demonstrando um esforço físico, querendo bater algum recorde. Nada mais remoto, mais distante, mais oposto à arte."

Um belo dia, Levrero identifica o cadáver de uma pomba num telhado próximo de sua casa e, poucos dias depois, vê a suposta companheira da pomba morta em atitude de velório. Ele designa a pomba viva como "a viúva", supondo que o cadáver é um macho. Deste ponto em diante, ao longo de todo o diário, Levrero descreve uma dramaturgia sobre a população de pombas que visitam aquele espaço. São passagens absolutamente hilárias onde ele utiliza a imagem das sucessivas pombas e as (imaginadas) relações entre elas como um símbolo para a vida, amor, sofrimento e morte. Aqui vai um resumo das páginas com as inserções da epopéia das pombas e do cadáver da pomba, assim como um trecho em citação (quem sabe possa ser de alguma utilidade para outros leitores apaixonados pelo tema, como eu): 164 / 174 / 194 / 201 / 220 / 224 / 226 / 255 / 263 / 274 / 299 / 305 / 335 / 409 / 423 / 436 / 449 / 475 / 480 / 483 / 484 / 510 / 514 / 645.

"A família de pombas parece ter se desintegrado. Faz muitos dias que os jovens foram viver sua vida independente, e durante algum tempo se enxergava o casal a sós, em seu lugar de sempre, na mureta do telhado vizinho. Mas, muito rapidamente, pararam de aparecer juntos. Às vezes aparecia o macho, às vezes a fêmea, e depois não voltei a ver nenhum deles. É muito possível que, uma vez criados os filhos, a viúva tenha considerado que não tinha mais uma boa razão para continuar mantendo ao seu lado esse macho que, provavelmente, não era pai deles. O pai dos seus filhos continua morto, quietinho, ali no telhado; agora, muito sozinho. Outras pombas vêm e vão pela mureta, sempre diferentes, e nenhuma se interessa por ele. Esse cadáver já está me incomodando. É a primeira coisa que vejo todas as vezes que levanto a persiana do quarto. É uma presença ominosa; não combina em nada com a paisagem citadina de ruazinhas antigas que desembocam no porto." (Pág. 299)

A rotina do escritor também consiste na descrição de seus sonhos/pesadelos e possíveis interpretações psicológicas, sem descartar o aspecto parapsicológico e, até mesmo, telepático. Entre a enorme e monótona quantidade de trivialidades, hábitos, transtornos sociais e fobias, o autor vai inserindo aqui e ali algumas reflexões brilhantes (nem sempre politicamente corretas, o que é ótimo!) sobre a vida, religião e filosofia, sendo algumas até proféticas (como é o caso da internet que será controlada por comerciantes e estadistas). Selecionei algumas máximas de Mario Levrero que vale a pena conhecer:

"Os médicos sempre são categóricos, sobretudo os cirurgiões, e se sabe que os cirurgiões cobram muito bem pelas suas operações" (Pág. 15)

"Um romance, atualmente, é quase qualquer coisa que se ponha entre uma capa e uma contracapa" (Pág. 25)

"O computador gera automatismos; é um autômato, e, quando alguém frequenta autômatos, em longo prazo se transforma num deles." (Pág. 88)

"O importante na literatura não está nas suas significações, mas isso não quer dizer que as significações não existam e que não tenham sua importância" (Pág. 140)

"(Somerset) Maugham tem a virtude dessa mediocridade deliberada. Todas as suas reflexões são quase triviais e, ao mesmo tempo, são oportunas e exatas." (Pág. 162)

"A superstição, como eu bem sei, é uma construção própria do homem sem religião, é a submissão a alguma espécie de lei superior, embora essa lei tenha sido criada pelo próprio sujeito." (Pág. 278)

"A internet sairá definitivamente da esfera da cultura onde nasceu, e será controlada por comerciantes e estadistas." (Pág. 309)

"Eu me incomodo que um editor me roube, e os editores com frequência me roubam, e roubam todos os escritores, de uma maneira ou de outra." (Pág. 319)

"Villa-Lobos é o único músico que conseguiu usar uma soprano - nas suas 'Bachianas brasileiras' — com arte e elegância, sem machucar o ouvido ou o espírito, sem me provocar impulsos homicidas." (Pág. 496)

"Explico aos jovens: não há nada de bom no álcool, no cigarro, nas prostitutas, na pornografia ou nas drogas. São todas coisas que destroem o corpo e a mente." (Pág. 542)

"E, se não ficou claro, volto a explicar aos jovens: Não há nada de bom na televisão, nos jornais, no dinheiro, na política, na religião, no trabalho. São todas coisas que destroem o corpo e a mente." (Pág. 543)

"Até nas igrejas a mão de Deus pode nos alcançar." (Pág. 543)

"Sim, sou católico, da mesma maneira que sou uruguaio. Não por escolha, e sim por nascimento." (Pág. 610)

Algumas vezes o comportamento do autor-personagem é francamente repulsivo; e ele não se furta a narrar também essas passagens. O trecho, por exemplo, no qual ele se encanta no supermercado por uma jovem que ele estimava tivesse "algo entre catorze e dezesseis anos" e não se imaginava "seduzindo-a", mas sim "domesticando-a como um animal". A descrição avança para um estupro: "teria que forçá-la, teria que lutar, e ela lutaria e morderia e bateria. Teria que golpeá-la e dominá-la, teria que arrancar suas roupas em pedaços. Ai, meu Deus, meu Deus. E tudo em silêncio, sem palavras; só talvez grunhidos." Até que ponto a ficção avançou na autobiografia, e vice-versa, é uma coisa que nunca poderemos saber.

A parte final do livro, ou O Romance Luminoso propriamente dito, é decepcionante se comparado com a carga concentrada de literatura presente nas mais de 500 páginas do diário-prólogo e não poderia ser de outra forma, afinal, o texto que deveria ter sido expandido e completado com o auxílio da bolsa da Fundação Guggenheim, continuou fragmentado e, de certa forma, incompleto. Por outro lado, o auxílio financeiro atingiu plenamente o seu objetivo, permitindo a compra de duas poltronas, uma luminária, um sistema de ar condicionado e a sobrevivência de um escritor brilhante que viria a morrer três anos depois deixando uma obra póstuma perturbadora que, conforme nos conta ao final de seu diário (Pág. 510), deveria ter se chamado: "Uma única, eterna madrugada", talvez um título bem mais apropriado, mas isso é só uma opinião.
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Camila Faria 28/05/2018

No ano 2000, o escritor uruguaio Mario Levrero recebeu uma bolsa da Fundação Guggenheim para terminar de escrever O Romance Luminoso, livro que ele havia iniciado na década de 80. Com o incentivo da bolsa, Levrero se lança na escrita febril de um diário que, teoricamente, o ajudaria a resgatar o hábito de escrever diariamente. Esse diário, um relato obsessivo da sua procrastinação e do seu fracasso, acaba por se transformar no tão buscado romance luminoso. O livro narra em detalhes suas manias, fobias e superstições (transtornos do sono, vício em computador, hipocondria, entre outros), expondo de maneira brilhante as confusões e as genialidades cotidianas de um homem de sessenta anos. É um romance sobre o desejo de escrever um romance e, mais importante, sobre a incapacidade de escrever um romance. É trágico e espirituoso ao mesmo tempo, uma experiência literária singular e excepcional.

site: http://naomemandeflores.com/os-quatro-ultimos-livros-21/
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Victor Almeida autor 01/05/2018

Como o ar
O livro perfeito para todos aqueles a quem a literatura é algo tão vital quanto respirar!
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