Vinicius.Dias 31/05/2021
Polêmico! Jesus Punk e Ateu!
Eu sempre me divirto com histórias criativas e chocantes, que fogem do comum e que distorcem a expectativa de um público específico. Se esse público for fundamentalista religioso, conservador e careta, ganha ainda mais pontos comigo. Por que eu falei isso? Porque essa estória do Sean Murphy é exatamente assim. Imagina se Jesus voltasse à Terra e, por obra do destino, se levantasse contra tudo que as religiões representam, escancarando toda a transformação negativa que sofreram durante o processo de evolução da sociedade. Imagina se esse Jesus se tornasse ateu, vocalista de uma banda de Punk Rock e levantasse uma bandeira antirreligião, esfregando na cara de todo o mundo a hipocrisia contida nesse meio em que seguem cegamente palavras escritas em um contexto totalmente diferente da nossa realidade atual ao invés do amor, compaixão e respeito ao próximo. Cara, isso iria romper barreiras e provavelmente seria assassinado novamente pelos próprios fãs. Se fosse aqui no Brasil, ainda o chamariam de comunista, vagabundo e por aí vai? nesses tempos de extremismo e culto à imbecilidade, a situação fica difícil até para o próprio Jesus!!
Vamos à HQ então. Ela conta a estória de Chris (Jesus 2), que foi clonado a partir do DNA contido no santo sudário e que teve a sua vida filmada e transmitida por uma reality show durante 15 anos, 24 horar por dia. Em paralelo, ela ainda nos brinda com a estória de Thomas McKael, responsável pela segurança de Chris e Gwen (a nova virgem Maria) que espera proteger J2, em troca de aliviar os pecados cometidos durante os anos em que fez parte do IRA. Só com esses dois personagens já temos muita profundidade de questionamentos existenciais na revistinha. Além deles, ainda temos Slate, um vilão sociopata e defensor do establishment e do sistema. Epstein, uma cientista dividida entre a concretização de sua pesquisa e a moral quanto ao tratamento recebido por Chris e Gwen. E Gwen, já citada, mãe de Jesus 2 e depressiva por conta dos anos de privações impostos pela emissora. Todos eles orbitando em volta de grupos fundamentalistas religiosos do cinturão bíblico dos EUA, sendo o principal, o NCA (Novos Cristãos Americanos).
Uma HQ que faz muitas críticas ao consumismo inconsequente, aos programas de TV (principalmente reality shows), à fé cega, ao armamento desproporcional da população americana, ao corporativismo religioso e ao negacionismo da ciência. Tudo isso misturado com muitas atitudes Punk e diálogos antissistema muito bem construídos, quer um exemplo disso? ?Não me interessa de quem veio o meu DNA. Pois pra mim eu sou o filho bastardo do desenfreado aparato americano de entretenimento.?.
Eu gostei muito da estória e do desenrolar dela. Tive alguns sentimentos duais em relação ao Chris por conta do extremismo de suas ações, mas entendo como um contraponto à proposta de grupos extremistas religiosos. A cereja do bolo, é Thomas McKael e sua vida contada parceladamente no decorrer da revistinha. Toda a trama envolvendo o IRA e os impactos de suas ações foram muito bem construídos e chamaram a minha atenção. Além disso, ainda somos brindados com um plot twist no melhor estilo O Código da Vinci e seus merovíngios.
Foi lançada pela Vertigo em uma edição de luxo maravilhosa, cheia de notas interessantes e esclarecimentos quanto às decisões tomadas pelo autor no decorrer da escrita e desenvolvimento da revista. O traçado é muito bem feito e está repleto de simbologismos religiosos. Ou seja, uma edição para fã de distopia nenhum colocar defeito. Ela já se tornou uma das minhas HQs favoritas e super indico para todo mundo que não aceita imposições alheias em suas vidas. Punk Rock Jesus é polêmico e repleto de tiro, porrada e bomba do início ao fim.