Henrique Fendrich 11/09/2019
Os instantes gravados de Marco Antonio Martire
A cada quinze dias, Marco Antonio Martire bota uma cadeira de praia na rua, ou o que seja, e, ainda que por quinze minutos, observa a sua cidade e escreve sobre o que é o coração. É o período em que são publicadas as suas crônicas, pois se trata efetivamente de um cronista, isto é, uma espécie de ladrão, alguém que se mete em tudo, mas que consegue se redimir na medida em que permite que aquilo que rouba consiga sobreviver por um tempo maior.
É assim que vivem, por um tempo indefinido, aquele senhor que subia uma ladeira mancando da perna direita, aquela mulher que chorava enquanto passeava com o cachorro, aquela outra que fechou os olhos ao atravessar a rua, o rapaz que ensinava uma garota a andar de bicicleta, ou ainda aquele casal que trocou a folia do Carnaval pelo prazer de uma noite olhando para o nada, de mãos dadas. São instantes gravados pelo cronista enquanto caminha, passeia e corre para suprir a sua necessidade de endorfina. São momentos singelos do cotidiano que ocorrem longe das câmaras e que não são compartilhados em vídeos do Whatsapp. E que fatalmente pereceriam, se o cronista não os guardasse na coletânea “O gato na árvore” (Moinhos, 2018).
Trata-se de um cronista carioca, o que, por si só, já explica muita coisa, desde o fascínio pela alma encantadora das ruas até a preferência pelos papos de bar. É mais um daqueles que, depois do serviço, costuma beber o seu chopinho quieto, largado na mesmíssima cadeira, certo de que o chope é um ato de resistência tão inútil quanto necessário. Está gravada na testa dele a frase “bom sujeito”, o que favorece as conversas, os encontros, as filosofias.
E o cronista tem as suas preocupações fundamentais. Está atento aos problemas urbanos e se mostra inquieto diante de invenções, aparelhos, aplicativos. A tecnologia, é verdade, fascina, e ele admite que pega carinho por coisas sem alma, mas, nesses tempos de Facebook e de caçar Pokemóns, é de se ver se não estamos jogando fora civilidades. O cronista está interessado nas tendências para o futuro e nas agruras de nosso tempo, de nossa civilização. Não é que saiba o que fazer, ele apenas tenta encontrar o caminho através das memórias sem fim. Por enquanto segue sem saber qual é a direção, mas continua com a esperança safada de que dê tudo certo.
Já é uma grande coisa quando não se deseja a fogueira de ninguém. Os desejos de Marco são mais simples, quer a sua calçada, ver a manhã decente e bonita, a sedutora noite. Nesses tempos de fúria, ele quer abraçar o cotidiano, sem deixar espaço para os ódios novos e antigos que, a todo custo, querem vir à luz novamente. Ele acredita no futuro, reverencia sonhos, investiga ideais, considera essas forças bonitas. E essa filosofia pessoal permeia as suas crônicas.
Muitas delas são diálogos interiores, reflexões, suposições, fluxos de pensamento, ideias ágeis, rapidamente encaixadas nas seguintes – e elas nos envolvem. Há também um olhar lançado ao noticiário. E os sentimentos, claro, os sentimentos também importam. Do amor, afinal, ninguém escapa.
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