Francisco 18/06/2018
Uma história que vai muito além do "G" da sigla "LGBTQ+"
L - G - B - T - Q - +
Uma sigla que foi se modificando ao longo do tempo e que tenta de alguma forma abarcar a enorme quantidade de gêneros e sexualidade que existe em nosso mundo. O Facebook, por exemplo, reconhece 56 tipos de gêneros, os quais as pessoas podem se identificar. Nova York, uma das cidades mais diversas no mundo, 31 deles podem ser encontrados. É uma discussão complexa, que envolve questões culturais e de identidade para que chegue-se a um consenso. Especialmente, por que ainda existe uma forte tendência conservadora, de não reconhecer nenhum gênero, ou sexualidade, além do hetero cis-homem, cis mulher. Nesse contexto, obras como Milhas de Distância, consegue contribuir fortemente para essas discussões. Com muito respeito e empatia.
O livro conta a história de Miles, um adolescente que se identifica como Pansexual (relações com outras pessoas independente de gênero/sexualidade), que há três anos namorava Vivian, uma garota trans. O jovem ao estar inserido nesse relacionamento, sentia-se completo, de certa forma, pela forte presença e personalidade dela, que o fazia ficar escondido, sendo ele mesmo, sem precisar de holofotes. Porém, há 18 meses, Vivian tentara se matar, e como sequela, ela estava em coma irreversível. Começa então uma intensa batalha de Miles e os pais de Vivian para mantê-la viva, ou desligar os aparelhos. Uma luta cansativa e desgastante para um jovem de apenas 18 anos.
Preocupados com seu filho, as mães de Miles acabam enviando-o para a Islândia, um país que tem 1/4 da população de Belém. Esse será um momento para Miles se reencontrar na vida, para quando ele retornar aos Estados Unidos, esteja pronto para seguir em frente.
UMA INTENSA DISCUSSÃO DE GÊNERO E SEXUALIDADE
Apesar da obra ser centrada no Miles, visto que a jovem trans está em coma. Mas a sua presença espiritual é intensa e traz muitas discussões importantes sobre as dificuldades da vida de uma mulher trans. Meredith Russo fala sobre algumas dessas dificuldades em sua entrevista, e afirma que isso estará presente para sempre na vida de uma pessoa trans. O preconceito, a chacota, o medo de andar na rua, a possibilidade de nunca ser aceito na família, dismorfia corporal (aversão à sua aparência). Enfim, são dores diárias que nem todos podem suportar, inclusive Vivian. São histórias que precisamos conhecer, ouvir, respeitar, ter no minimo empatia.
Além disso, a fluidez do Miles traz uma discussão bem interessante nesse sentido. Eu nunca vi em obra literária um personagem que possui uma fluidez tão grande, e isso foi muito bacana, pois coloca-se em perspectiva muitos dogmas que tinha sobre o assunto e por mais que eu não consiga compreender todas as questões, essa ideia de fluidez de gênero e sexualidade começa a fazer mais sentido, ao aplica-la em uma história de ficção. Lembro que recentemente, houve uma grande discussão que envolve o cantor Matheus Carrilho, que "se revelou um ex-gay", porém, o que ele queria dizer era justamente essa ideia de fluidez de gênero/sexualidade, sobre explorar outros aspectos de sua sexualidade, e isso acabou sendo mal-visto por muita gente.
A verdade é, que quando estamos no conforto da nossa "identidade", ou "caixinha" que nos colocaram, isso acaba sendo mais fácil, do que para pessoas que não se incluem nessa mesma "bolha". Por isso é muito comum ver gays e lésbicas sendo transfóbicos, ou ainda fazendo chacota de pessoas que não se encaixam no mesmo padrão. E a meu ver, isso é pior do que um heterosexual agindo de maneira indecorosa. Sabe porque? Pois, somos escrachados e mais do que nunca entendemos o quanto lutamos para mudar esse status quo, mas ao conseguir uma situação de conforto um pouco melhor, algumas pessoas não agem sequer com empatia a alguém que ainda não conseguiu os seus direitos. É meio que um "foda-se", não preciso mais de você mesmo. QUE TRISTE!!!
ISSO PRECISA SER DITO
Outro tema bastante relevante para esse livro, é a história de Óskar, um jovem de 20 anos, que há seis anos tem um namorado. Ou seja, desde os 14 anos. A questão é que o seu namorado já era maior de idade no inicio do relacionamento, o que torna essa, uma relação bem abusiva. Não vou entrar no mérito da pedofilia, apesar dela circundar esse tema e torna-lo ainda mais polêmico. Porém, estamos falando de um jovem, ainda em formação, e um adulto que estão imersos em um relacionamento. Nesse contexto, o mais provável é que exista uma relação de interdependência, seja financeira, ou afetiva. Isso gera situações complicadas, e que podem afetar o psicológico de um garoto. Esse plot acaba sendo um grande alerta aos jovens que acessarem essa história.
O livro finaliza com alguns socos em nossa cara, mostrando que a felicidade não está somente em um relacionamento, mas em nossas vivências diárias que nos conduzem a uma grande evolução pessoal. Milhas de Distância traz luz para esse ambiente ainda obscuro, é um momento de avançar em discussões além do "G" da sigla "LGBTQ+". Pessoas precisam ser representadas, para sentirem que não estão sós em um mundo que insistem em excluí-las. Pessoas precisam aprender que o mundo é maior do que os poucos gêneros e sexualidades que é determinado e que está tudo bem em ser diferente. Milhas de Distâncias insiste na mudança de nossos pensamentos. Porém, somente nós seremos os responsáveis, por todas essas mudanças sociais.
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