Confissões de uma leitora 29/03/2020
Confesso que tomei uns dias para assimilar melhor esse livro, talvez ainda esteja processando...
No epicentro da trama está uma jovem presa em um relacionamento fracassado e abusivo, que busca em sua amizade e cuidados para com seu Zé resgatar a si mesma... ou algo próximo a isso... Essa é uma relação, a meu ver, que lhe serve de âncora. Uma injeção de animo e autoestima para a frustração contínua que ela vive. Sempre doando de si para o outro. Sempre para o outro... o amor, o cuidado... Já conhecemos essa história e seu desfecho, certo? Nunca acaba bem.
Inicialmente, o leitor é levado a criar diversas possibilidades sobre os desdobramentos futuros, e conforme a leitura avança, contrariando as hipóteses construídas, levanta-se uma atmosfera crescente pelo que vem a seguir, pelo plot twist... Em alguns momentos me irritou pela demora. Em outros, confesso, a leitura foi um pouco custosa, principalmente pela trama ocorrer em torno de um ponto central que, às vezes dava a impressão que não saia do lugar devido ao excesso de detalhes.
O livro aborda questões muito pertinentes da relação humana para o outro e consigo próprio. É cheio de lições, de colocações que nos faz pensar.
Este é, de fato, um livro para se questionar e refletir muito sobre o lugar do outro em nossa vida, sobre nós mesmos, a responsabilidade que temos sobre a nossa vida, a saber diferenciar responsabilidade de culpa, lição deveras importante no processo de amadurecimento, crescimento e amor próprio.
Rafa é uma mulher doce e dedicada, acomodada em um casamento fracassado com um homem machista e um tanto narcisista. Por vezes sua ingenuidade chega a ser pueril e perigosa. São tantos erros, tantos fatores envolvidos, tantas circunstâncias, que ao mesmo tempo em que a solução parece fácil, sabemos ser difícil.
Não posso dizer que não entendo as motivações de Rafa e todos os aspectos envolvidos, mas ao mesmo tempo não posso deixar de me questionar.
Quantas não são “Rafa”, imersas em relacionamentos fracassados, esperando que um milagre aconteça? Inconscientemente, fazendo de si um mártir para melhor emoldurar a imagem de pobre vítima, boa demais, altruísta, que doou tudo de si, até mesmo a responsabilidade pela própria vida porque ingenuamente crê que a relação à dois deve ignorar a individualidade de cada um e abraçar a simbiose psicótica?
Quantas não estão em negação, recusando a si próprias, em nome de um amor que, na verdade, nem é amor de verdade?
Quantas não esperam e buscam de seu parceiro o que somente elas podem dar a si? O que somente elas podem ENCONTRAR EM SI MESMAS, se somente se atreverem a tomar pra si a responsabilidade por sua PRÓPRIA VIDA?
Quantas não entregaram a responsabilidade de sua própria vida para o outro, tornando-se dependente, culpando-o por não ser feliz da maneira que espera?
Daí a importância do autoconhecimento, de ser dona de si, de se amar e respeitar. É simples, mas não é fácil. Talvez por isso muitos de nós, fugimos e fazemos aquilo que é, aparentemente, mais fácil, sem imaginar que é também o mais doloroso. Isso se deve, talvez, porque somos ensinados desde pequenos a ser para o outro e nunca/pouco para si. Tudo, cada aspecto, é voltado para o outro, para ser o orgulho, o amor do outro, a inspiração do outro... e quando nos atrevemos a nos voltar para si, a culpa surge porque, ei, isso é egoísta! Como você se atreve a pensar em si?
Este livro retrata bem essa simbiose e a importância de se colocar em primeiro lugar. Retrata também o quanto a educação e orientações que recebemos, direta e indiretamente, pelas figuras pilares de nossas vidas, sobretudo, os exemplos, influenciam em nossa vida, no nosso modo de viver e de relacionar.
Retrata ainda, como precisamos um do outro, e o quanto esse auxílio e apoio pode ser benéfico quando ambas as partes doam de si sem deixarem de ser inteiras.
Confesso que o desfecho me pegou desprevenida. Compreensível dado a todo histórico, a tolice de subestimar a perversidade do outro... Quando será que o ser humano irá entender que é capaz de tudo sim, até de cometer atrocidades? Ninguém está isento de sentimentos negativos, de desejos sombrios... Fingir ser anjo de candura, não te torna um, só te torna um iludido que vive em negação.
Reconhecer nossas partes boas e ruins, é parte do processo de autoconhecimento que possibilita a mudança para uma versão melhor de nós mesmos. Não dá pra mudar, melhorar, aquilo que desconhecemos, aquilo que negamos #FicaaDica