Luiz Pereira Júnior 07/03/2021
Variando o cardápio
Sempre é bom variar o cardápio. Não podemos (ou melhor, não deveríamos) comer sempre o mesmo prato, nem viajar sempre para os mesmos lugares, nem ouvir sempre a mesma música. E, mesmo que haja razões para fazer a mesma coisa (rememorar a nossa infância, rever nossa família distante, escutar a música de nosso primeiro amor), isso não deveria nos prender ao passado e à monotonia nostálgica (o tão famoso “mais do mesmo”). E por isso eu variei o cardápio. Literatura brasileira contemporânea é algo que não costuma fazer parte da vida de leitura de muita gente. E não por ser brasileira. E não por ser contemporânea. Muitas vezes não há divulgação. Afinal, como descobrir mais obras de autores brasileiros quando a mídia nos empurra as mesmas obras e todo o mundo parece estar lendo o mesmo livro ao mesmo tempo, num festival de referências cruzadas: promoções nas grandes lojas e nos grandes sites juntamente com análises e “análises” dos mesmos livros por youtubers e booktubers deslumbrados que descobriram o livro da vida deles (ao menos o livro da vida durante aquela semana)?
Descobri esse livro quando assisti a um programa de televisão e o tema me pareceu interessante: o protagonista se torna o primeiro autor brasileiro a ganhar o Nobel de Literatura e, logo após, candidata-se a presidente e – surpresa das surpresas – acaba ganhando e se tornando o primeiro escritor-presidente do Brasil.
Já havia lido “Nobel”, de Jacques Fux, que é mais hilariante e tem um final tão hilariante quanto (embora não seja propriamente uma centelha de criatividade terminar o livro daquele jeito).
Já em “O imortal”, a pretensão do autor foi fazer uma literatura séria (ou seja lá o que o nome parece indicar) e relatar as mesquinharias do mundo literário e seu cortejo de horrores (como diria Fernanda Torres) assim como os mandos e desmandos da política brasileira (melhor seria dizer “universal”). Ponto para o autor!
Apesar de não ser nada absolutamente novo, “O imortal” tem certa criatividade em meio à produção literária atual. Embora a linguagem de todos os personagens acabe parecendo sempre ser a mesma (não há grandes variações de registro linguístico entre os personagens), é bem saudável percorrer esse caminho por diferentes meios: diálogos, e-mails, relatos de cartas, bilhetes, registros telefônicos, cartas em espanhol (sinceramente, pulei essa parte – minha pátria é meu idioma), notícia, tudo isso em alternância a flashbacks que no início podem desorientar o leitor, mas, com alguma persistência, as trevas se tornam luz. Dois a zero para o autor!
Ao recorrer a um final sem maiores surpresas, algo tão corriqueiro nos filmes hollywoodianos, o autor acaba por desmerecer a própria obra. Sei que o final agradará a muita gente, mas deixa no ar a impressão de que “já vi isso em algum filme” e, ao menos para mim, ao terminar a leitura, o que me veio à cabeça foi “bem que o autor poderia ter passado mais alguns dias antes de por um ponto final na história”. Dois a um (gol contra) para o autor!
Em resumo, no final das contas vale a pena sim ler a nova literatura que é feita em nosso país. Sei que em meio a tantas opções, é difícil escolher uma em que gastar nosso dinheirinho suado. Mas vale a pena fugir (nem que seja de vez em quando) daqueles livros em promoção, daqueles livros que ficam em pilhas nas livrarias, das dicas (tantas vezes espalhafatosas e obscenamente midiáticas) de alguns booktubers, para escolher um livro de exemplar único, que ninguém leu no site e que jamais terá pilhas de exemplares à porta das livrarias. Se esse é o caso de “O imortal”, eu não sei (o dinheiro é seu, caro leitor), mas que tal escolher sua própria surpresa em forma de livro?