Fernanda631 05/07/2023
Outsider
Outsider foi escrito por Stephen King (como Richard Bachman) e publicado em 22 de maio de 2018.
“O homem do ano da cidade de Flint City e treinador do time de beisebol infantil da cidade, Terry Maitland está sendo acusado de ter assassinado e sodomizado um menino de 11 anos. Todas as provas forenses apontam para a autoria do crime. Mas o que fazer quando o álibi dele é perfeito? Pode um homem estar em dois lugares ao mesmo tempo?”
O livro se inicia com a prisão do professor Terry Maitland, acusado de assassinar uma criança na pequena Flint City. Terry é bastante conhecido e querido na comunidade pois é treinador da Liga Infantil de beisebol.
O detetive Ralph Anderson decide realizar a prisão durante um jogo de beisebol onde muitos moradores estão presentes, antes mesmo de trazer Terry para questionamento. Essa decisão se baseia na enorme quantidade de provas existentes como testemunhas oculares e digitais na cena do crime.
O caso começa a se tornar estranho quando testemunhas afirmam que Terry estava em outra cidade no dia em que ocorreu o assassinato. O detetive Ralph agora se vê diante de provas concretas porém contraditórias.
Outsider parte de uma situação corriqueira em tramas de suspense: a investigação de um estupro seguido de assassinato. Todos os elementos básicos para uma história como essa se fazem presentes em um estilo narrativo bem tranquilo e em uma das melhores construções de King nos últimos tempos. Temos, portanto, um suspense com um mistério bem amarrado e um culpado claro, apontado através de provas irrefutáveis.
Sem pressa, Outsider vai envolvendo o leitor na elaboração de sua trama, e de forma natural dá uma guinada para o sobrenatural sem que percebamos de imediato. No fim, estamos diante de uma grande história com todas as características que tanto marcaram a carreira do autor.
A escrita do King é de um estilo bem peculiar e específico. Alguns críticos do King reclamam que ele segue sempre uma mesma fórmula. Eu não acho isso ruim. Para um autor buscando atender a um grande público e tornar seus livros populares, assumir uma identidade é um passo. Todos os livros do King são fáceis de serem lidos. São história voltadas para entreter. O autor não se arroga de dizer que não pretende ser poético ou escrever algo esteticamente aprazível. Nem por isso a escrita dele deixa de ser eficiente. O leitor entende o objetivo do autor muito facilmente. A escrita como sempre é em terceira pessoa a partir de alguns pontos de vista: Terry, Ralph, o Jack Hoskins mais tarde.
Uma das maiores virtudes do autor é a construção de personagens. Ele sabe construir personagens extremamente verossímeis. Ou seja,personagens bem realistas, com problemas, qualidades e defeitos. Não há heróis no sentido estrito do termo. Eles até podem ter atitudes heroicas, mas são pessoas falhas. São pessoas comum que acabam sendo envolvidos em alguma situação sobrenatural. Terry é o personagem menos desenvolvido ao longo da trama por conta de seu tempo de cena. Talvez a gente pode dizer que ele seja o personagem mais "heroico" da trama. Claro, isso frente à acusação que ele está sofrendo de ter cometido ou não o crime. King trabalha bem o vai e vem da investigação e deixa o leitor em dúvida sobre a culpa ou a inocência do personagem. Somos apresentados também à família de Maitland e toda a angústia que vem de sua prisão. O como a família é afetada por isso e como ela pode ter tido sua vida completamente modificada por conta disso. Mesmo que Terry saia inocentado de seus crimes, a vida deles nunca mais será a mesma.
Ralph é um policial dedicado. A forma como ele efetua a prisão de Maitland foi muito atrapalhada. Movido pelos sentimentos já que seu filho foi treinado por ele, sua visão como pai acabou confundindo o seu julgamento. Algo que poderia ter sido realizado de uma maneira mais sutil, provocou a ira da população. Estes queriam se vingar das atrocidades cometidas por Maitland, este ainda nem tendo sido considerado culpado. Tudo o que vai acontecer nos próximos dias é um pouco de culpa de Ralph e de Bill, o promotor da cidade. Mais para a frente, Ralph vai ficar com um sentimento de culpa e uma vontade de se redimir por toda a confusão causada por suas ações. Esse fantasma vai persegui-lo ao longo de boa parte da trama.
A investigação de um crime comum se transforma na corrida para deter algo que ninguém sabe exatamente o que é, apenas que seu potencial destrutivo não tem fim. Temos, então, personagens levados ao extremo da razão para compreender, aceitar e deter esse mal. O resultado é uma excelente história, talvez um pouco extensa demais, mas que se segura bem e mantém a atenção dos leitores até o desfecho.
A partir de uma lenda, King mostra seu potencial de ir além e produzir uma grande história, que pode até ser apontada por alguns como fraca para os padrões do autor, mas que tem uma vivacidade e um DNA claros de quem está em plena forma.
Um dos temas mais trabalhados ao longo da narrativa é o da crença no sobrenatural. Somos capazes de acreditar que existe alguma coisa nas pequenas frestas da realidade? Ou essas coisas são realmente difíceis de entrar em nossas cabeças? Aceitar o estranho e o bizarro é questionar a nossa própria noção de realidade. O ser humano se descolou do sobrenatural desde o início da Idade Moderna. Passamos a nos deslocar mais para o âmbito do racional, daquilo que podemos provar através da ciência. Ralph é o exemplo de como é o homo sapiens da contemporaneidade: um cara que questiona o bizarro, que só consegue acreditar naquilo que é palpável. Desde o começo da investigação, o policial percebe que algo está diferente em tudo aquilo. As peças simplesmente não se encaixam. Entretanto, sua mente não consegue aceitar determinados fatos. Isso porque aceitar significa colocar em xeque toda a sua visão de mundo.
A ligação que King faz entre Outsider e a trilogia Bill Hodges é muito bacana. Ele acaba pegando um personagem de lá e trazendo para o núcleo narrativo da trama. Não é forçado e serve para desenvolver os personagens. Senti que o autor parece ter ficado muito à vontade nesse estilo de narrativa misturando o policial e o terror. As situações todas se sucedem de uma maneira bem harmônica e o universo que ele cria aqui deixa o leitor tenso o tempo inteiro. Os capítulos passam voando e eu lia 80 a 100 páginas rapidamente. Ávido por retornar àqueles personagens e saber o que iria acontecer a seguir.