Todas as crônicas

Todas as crônicas Clarice Lispector




Resenhas - Todas as Crônicas


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Fernanda.syski 21/05/2020

Outra face de Clarice
Ótima edição e vale a pena conhecer outra escrita da Clarice.
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@jana450 15/05/2020

Se recomendo!? Ela é minha autora preferida da vida, comecei a ler os trabalhos dela muito cedo
Super recomendo, muitos dos trabalhos dessa coletânea eu já conhecia, mas fiquei muito feliz em rever, esse livro será como uma Bíblia para mim, volta e meia vou reler algo nele.
Lucas 13/08/2020minha estante
Concordo com você Jana, quase sempre leio no kindle, mas tenho vontade de comprar esse livro e deixo-lo apenas ele em uma estante para o abri-lo de vez em quando em uma pagina aleatória,


Santos de Cristo 09/03/2023minha estante
Só falta agora o "todas as cartas" já tenho os dois anteriores:"Todas as crônicas"e "Todos os contos"você tem toda a razão.é livro pra ler e reler,se aprofundar...




AlessandraD. 09/05/2020

Clarice sempre sensacional, intensa e única. Simplesmente maravilhosa e edição incrível!!!
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Roberto 07/03/2020

Feiticeira das palavras
Mesmo ela admitindo, durante todo o livro, que não sabia escrever crônica, ou que não levava esse gênero tão a sério; ou ainda admitir que as escrevia por dinheiro e que achava mais profundos os seus romances e contos. Ainda assim cada crônica dela, por menor que seja tem marcada, de forma indelével, o seu estilo inconfundível.
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Cristine 08/09/2019

A ESTRATÉGIA DO VENTO
As crônicas que Clarice Lispector publicou, durante sete anos, no Jornal do Brasil — agora em nova edição, Todas as crônicas — nos ajudam a pensar a respeito da concepção singular que a autora tinha da literatura. Um mundo no qual a vida e a escrita estão não apenas juntas, mas confundidas.
Em uma breve anotação intitulada ‘Não sentir’, Clarice reflete sobre a importância do risco e da dor, matérias primas de seu pensamento: “Sentindo menos dor, perdeu a vantagem da dor como aviso e sintoma. Hoje em dia, vive incomparavelmente mais sereno porém em grande perigo de vida”. Da vida, mesmo dolorosa, não há como fugir.
Escreve suas crônicas “ao correr da máquina”, sem se importar com gêneros literários e, até mesmo, se elas são crônicas, ou não. Ao sabor do vento. O que lhe importa é o sentimento do mundo. Mais à frente, em Dies irae, ela medita: “E por que, só porque eu escrevi, pensam que tenho que continuar a escrever?”. Expressão direta da existência, as crônicas não podem ser, portanto, uma obrigação. Ainda assim, os redatores do Jornal do Brasil esperavam que, conforme o contrato de trabalho, ela lhes entregasse uma crônica a cada semana. Clarice escreve, contudo, sobre sensações, que não são domesticáveis, ou planejáveis. Sua tendência é falar dos sentimentos, e não dos fatos. Em As grandes punições, tenta se corrigir: “Vou contar logo o que realmente era, antes de narrar o que realmente sente”. Mas não consegue. Não teme nem os sentimentos mais desconfortáveis, como o medo. Em A favor do medo, ela anota: “Estava alegre e revolucionada — mas era pelo medo. Pois sou a favor do medo”. Em Clarice, literatura e existência se grudam de tal modo que é quase impossível separar a autora da narradora. Para ela, a crônica era uma conversa banal em que o pensamento divaga. E não temia nem a banalidade, nem a divagação; ao contrário, considerava-as elementos decisivos de sua escrita.
No texto O caso da caneta de ouro, meditando sobre os perigos da crônica, ela diz: “A caneta de ouro nos levará longe. Achei melhor parar. E por aí ficamos. Nem sempre esmiuçar demais dá certo”. Mas como delimitar a escrita? Como saber quando parar? Em Ao linotipista, ela chega a se desculpar com o operador da máquina de linotipo por sua pontuação caótica: “Agora um pedido: não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar. Escrever é uma maldição”.
Em ‘O grito’, ela define o que faz, não como crônicas, mas como um grito de cansaço. Para Clarice, escrever lhe arranca pedaços. E por isso dói. Sabe, porém, que também tira vantagens de seu trabalho. Em Adeus, vou-me embora, admita: “Os cronistas, pelo menos os do Rio, são muito amados”. Os leitores reconhecem que, na escrita da crônica, gênero por excelência do Eu — que Clarice via, antes de tudo, como máscara — há uma grande entrega. Ela sabe ainda que a crônica é, quase sempre, uma maneira que o escritor tem de arrumar sua desordem interior. Via-se modestamente: “Não sou uma literata, ou uma intelectual. Feliz apenas por fazer parte”, escreve em Pertencer. A escrita, para ela, era algo íntimo demais para tomar a forma do ornamento, que é sempre exterior, e exibicionista. A crônica também lhe serve como instrumento de aproximação do ininteligível. Em Ritual, ela diz: “Por que um cão é tão livre? Porque ele é um mistério vivo que não se indaga”. O ininteligível seria, assim, a desgraça da língua. Com sua escrita mais suave e ao correr do coração, o cronista — que aparentemente, só aparentemente, leva o real menos a sério — se aproxima mais do cão, com sua sabedoria silenciosa, do que do homem que é cheio de palavras.
Prossegue Clarice: “É fatal não se conhecer e não se conhecer exige coragem”. Afasta assim o cronista da imagem do intelectual, e acentua seu caráter de homem comum, que apenas vive. Sabe que o escritor é um condenado — a tentar sempre, sem nunca realmente se realizar. Em Delicadeza, Clarice nos diz: “Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa tentativa”. A luta é inglória, mas, ainda assim, vale a pena. Quanto ao cronista, é verdade, ele tem sua escrita circunscrita pelos prazos comerciais.
O cronista é um funcionário da escrita — só que esse fato em nada lhe rouba a liberdade. Talvez ao contrário: como alguém que veste uma roupa muito apertada, ele precisa considerar com mais sutileza a respeito da maneira de se mexer. Sabe, de outro lado, que o estilo bruto e espontâneo muitas vezes provoca no leitor uma ponta de estranheza. “Parece que às vezes, sou espontânea demais e isso me torna engraçada”, diz em Facilidade repentina.

Esse relaxamento, no fim das contas, exprime uma posição serena em relação à escrita. “Escrevendo à vontade. Sem muito sentido, mas à vontade. Que importa o sentido? O sentido sou eu.” Clarice, a cronista, sabe o valor da liberdade. Em Esboço do sonho do líder, ela diz: “Antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava — só para não ser livre”. Foi começar a ceder e chegou à liberdade. Medita assim sobre o estranho conforto das barras de apoio oferecidas pela prisão. Seu objetivo, sempre, ultrapassa a própria literatura e se aproxima ferozmente da vida. Em Autocrítica, no entanto, benévola, ela assim descreve seu objetivo final: “Chegar àquele ponto em que a dor se mistura à profunda alegria e a alegria chega a ser dolorosa — pois esse ponto é o aguilhão da vida”. Seu objetivo, portanto, é chegar ao intransponível. Este é o limite de sua escrita; como se um muro a esperasse logo à frente.

Em ‘Escrever ao sabor da pena’, Clarice resume sua estratégia de cronista. “Não, não estou me referindo a procurar escrever bem: isso vem por si mesmo. Estou falando de procurar em si próprio a nebulosa que aos poucos se condensa (...) — até vir como numa parte a primeira palavra que a exprima”. Escrever no escuro, deixando-se levar como um balão que flutua ao sabor das correntes de ar, sem bússola e determinar um ponto de chegada. Essa é a grande liberdade do cronista.
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Fábbio (@omeninoquele) 30/01/2019

❝A solidão é necessária para a sociedade como o silêncio para a linguagem, e o ar para os pulmões e a comida para o corpo.❞
Clarice Lispector foi uma das mais versáteis e influentes escritoras brasileiras, sua obra é riquíssima em pluralidade e seu modo de escrita tão característico é fruto de estudo de muitos estudiosos hoje em dia.

Clarice teve uma ligação bastante forte com a imprensa que se permeou por toda sua vida profissional e pessoal. Aos 19 anos ela ingressou como repórter e redatora na Agencia Nacional do Departamento de Imprensa e Propaganda. E anos mais tarde ela colaboraria com textos bastante diferentes do que ela era acostumada a escrever, as ditas crônicas, para jornais como o Jornal do Brasil, revistas e coletâneas e esse trabalho se estenderia por todo o resto de sua vida.

As crônicas são textos que tem o objetivo narrar acontecimentos diários e podem muito serem confundidos com contos, mas estes são mais longos do que as crônicas. E quando Clarice adentrou nesse gênero, ela não sabia muito o que seria, pois acostumada a escrever romances e ter um público alvo diferente ela acharia que não teria sucesso. Mas o que aconteceu foi o contrário e cada vez mais enquanto escrevia semanalmente na sua coluna do jornal, suas crônicas iam ficando cada vez mais bem quista pelo público.

O livro, Todas as crônicas reúne um apanhado de mais de 120 crônicas escritas pela autora por toda sua carreira, algumas inéditas que fazem parte dessa coletânea. As crônicas de Clarice ganharam uma característica pessoal da autora que somados a sua sintaxe própria, passou a escrever suas crônicas em textos curtos, o que foi um marco já que as crônicas eram textos corridos.

Em sua coluna, durante a época em que colaborou para o Jornal do Brasil e outras revistas, ela teve liberdade e tempo para testar dos mais variados temas como seu cotidiano de escritora e pessoal, a relação de mãe/filho, a busca do eu, os desvãos do pensamento, política, transformação do quotidiano e muitos outros temas.

São muitas crônicas para se resumir, mas gosto da escrita da autora e acho interessante ressaltar todos os momentos em que ela se voltava a pensar no futuro e tudo o que seria diferente do que era em sua época e ela sempre se referia como esse futuro ao ano 2000 e isso é interessante em sua escrita, porque nós já passamos dessa data e muita coisa ainda continua arcaica, longe de ser o futuro que a autora sonhava. Vale a pena ressaltar também as entrevistas que ela fez com pessoas importantes que a muito não estão mais entre a gente. Sem contar ainda que seu texto quanto a política mesmo tendo sido escrito a muito tempo se faz tão atual.

Clarice Lispector foi uma das mais versáteis escritoras que já existiu e eu tenho muita admiração por toda sua obra. E recomendo muito. Pra você que não conhece a escrita da autora e não sabe por onde começar, esse livro de crônicas é uma ótima dica, pois as crônicas são mais acessíveis ao entendimento e aqui a escrita dela está menos rebuscada, por assim dizer. Recomendo demais!

#TodasAsCronicas #ClariceLispector

site: https://www.instagram.com/p/BtRYa_vAiLR/
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Cheiro de Livro 09/10/2018

Clarice Lispector – Todas as Crônicas
Conhecia muito pouco da obra de não ficção de Clarice Lispector e “Todas as Crônica” veio suprir essa lacuna no meu conhecimento dos escritos de Clarice. Assim como “Todos os Contos” o livro é lindo e organiza cronologicamente os escritos. É desses livros obrigatórios na biblioteca de qualquer um.

Dentre os elementos que mais gosto de livros de contos e crônicas é a possibilidade de não seguir qualquer ordem, de pegar o livro e abrir em uma página aleatória e começar a ler. Cada dia abria o livro em uma página qualquer e assim fui lendo o que Clarice escreveu em jornais como Jornal do Brasil e Última Hora. São textos sobre os filhos, sobre a vida cotidiana, sobre tudo que povoa também o seu universo da ficção.

Tenho predileção pela crônica escrita para a Senhor em dezembro de 1968. Nesse mês, nesse ano foi decretado o AI5, foi o golpe dentro do golpe, foi o momento em que a ditadura militar aboliu os direitos individuais e tornou-se um terror ainda mais violento. 1968 foi um ano em que os estudantes foram para as ruas e pediram o fim do regime militar, foi o ano em que o estudante Edson Luiz foi morto e que a cavalaria avançou em quem saia de sua missa e espancou os presente. Foi o ano que não acabou como definiu Zuenir Ventura. Nessa crônica, com o pretexto de falar sobre a escolha de uma secretária, Clarice enaltece os estudantes universitários e a minissaia. É preciso conhecer a nossa própria história para entender as sutilezas e as entrelinhas de uma crônica escrita sob a censura dentro das redações.

São infindáveis as crônicas que ficaram comigo bem depois de terminar a leitura, Clarice tem esse poder sob mim, sempre que a leio fico horas, dias remoendo o que li, volto às páginas, releio e vou digerindo aos poucos as suas palavras.

site: http://cheirodelivro.com/clarice-lispector-todas-as-cronicas/
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Krishnamurti 04/10/2018

Simplesmente Clarice
Lançado em agosto último pela Editora Rocco, o livro “Clarice Lispector – Todas as crônicas”, é um alentado volume de 704 páginas, fruto de excepcional trabalho de pesquisa textual de Larissa Vaz e organização de Pedro Karp Vasquez (que também assina o Posfácio).
Marina Colasanti no belo Prefácio que escreveu para o volume rememora o primeiro encontro com Clarice e sua estreia no antigo Jornal do Brasil como cronista. Identifica ainda que a colaboração da autora naquele periódico (durante os anos de 1967 a 1973) acabaria por se configurar como uma pequena amostra dos temas centrais que marcariam sua literatura: “a relação mãe-filho, a revolta contra a resignação, a busca do eu, os desvãos dos pensamentos e a transformação dos fatos cotidianos em pura metafísica”. Muito bem. Há ainda de se considerar e acrescentar, que o projeto dessa obra reúne um total de 120 textos inéditos em livro, e está dividida em três partes: a primeira corresponde ao período do Jornal do Brasil, contendo material que não havia sido publicado na coletânea “A Descoberta do Mundo”; a segunda engloba as colaborações com outros veículos da imprensa e finalmente, a terceira, recupera esparsos do livro “Para não esquecer”.
Mas afinal quem é Clarice Lispector? E por que seu nome provocou e continua a provocar tantos e tantos estudos, e edições e reedições de sua obra, como esta que afinal resgata textos praticamente inéditos da autora, posto que foram publicados apenas nas fugazes páginas de periódicos? Sabemos pouco. Nascida em 1920 na Ucrânia no seio de uma família judia, chega ao Brasil em 1922 com os pais e duas irmãs. Morou em Maceió, Recife e finalmente no Rio de janeiro onde se formou em Direito, para logo em seguida, trabalhar como jornalista e lançar-se à literatura publicando um livro estrondoso como “Perto do coração selvagem” em 1944, portanto quando a autora contava apenas 24 anos de idade. Quando estreou no Jornal do Brasil como cronista em 1967, já tinha 9 livros publicados.
Pedro Karp Vasquez esclarece os parâmetros que orientaram a organização do material publicado nas três partes da obra. Tomou-se o cuidado extremo de não deixar escapar um único fragmento sequer dos textos originalmente publicados nos periódicos, com os quais Clarice colaborou, o que permite ao leitor de hoje, uma apreensão abrangente do universo clariceano. Com efeito, nas crônicas agora publicadas, percebe-se para além da observação das coisas que se ajustam à sensibilidade de todos os dias, a opinião da autora sobre escritores, notas e perfis sobre personalidades diversas da vida brasileira, respostas que deu a cartas de leitores, a convivência com pessoas de seu dia a dia, e até, em uma ou outra crônica, assuntos de ordem pessoal como o incêndio ocorrido em sua residência que lhe provocou graves queimaduras e, sobretudo, a sua compaixão pelos humildes. Outra grata surpresa. Aqui e ali lemos a Clarice introspectiva e intuitiva, capaz de descer fundo para abeirar-se do indizível, uma autora dona de um virtuosismo estilístico e uma lucidez que atinge as raias da incoerência e do inexprimível.
É impossível, dada a qualidade e a quantidade de textos reunidos em um volume com mais de 700 páginas, a escolha e transcrição das crônicas numa resenha. Entretanto não nos furtaremos de uma “saída” possível para tal impasse valendo-nos de um recurso que a própria Clarice levou a efeito no Jornal do Brasil já em 1967. Ela rompendo com a tradição da crônica corrida ocupando a página do jornal, chegou a publicar vários textos curtos em um mesmo dia. Leiamos uma crônica inteira e alguns trechos de outras. Observe-se a sensibilidade aguda, a emoção de nervo exposto, a nota agudíssima dos seus transes líricos.

“VITÓRIA NOSSA”, (um texto de atualidade arrebatadora).
“O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não termos nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que já tem sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor a nossa indiferença, disfarçado nossa indiferença com a angústia, disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer ‘pelo menos não fui tolo’, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam. Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia”.

“DIES IRAE” (trechos apenas dessa crônica que é um pungente desabafo da autora).

“Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. E nem ao menos posso fazer o que uma menina semiparalítica fez em vingança: quebrar um jarro. Não sou semiparalítica. Embora alguma coisa em mim diga que somos todos semiparalíticos. E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação. E ter empregadas, chamemo-las de uma vez de criadas, é uma ofensa à humanidade. E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita”...
... “Sim, aqui é noite escura às dez horas da manhã. É a ira de Deus. E se essa escuridão se transformar em chuva, que volte o dilúvio, mas sem a arca, nós não soubemos fazer um mundo onde viver e não sabemos na nossa paralisia como viver. Porque se não voltar o dilúvio, voltarão Sodoma e Gomorra, que era a solução. Por que deixar entrar na arca um par de cada espécie? Pelo menos o par humano não tem dado senão filhos, mas não a outra vida, aquela que não existindo, me fez amanhecer em cólera.
Teresa, quando você me visitou no hospital, viu-me toda enfaixada e imobilizada ainda. Hoje sou a paralitica e a muda. E se tento falar, sai um rugido de tristeza. Então não é cólera apenas? Não, é tristeza também”.

“SAUDADE”
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”.

“EM BUSCA DO OUTRO”
“Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei ardentemente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada”.

Não é casual que as melhores crônicas, ou por outra, as que mais nos emocionam, são aquelas em que a autora (teria ela se dado conta disto?) tenha permitido que o pensamento se lhe escapasse do óbvio, para se embrenhar pelos meandros da ambiguidade a deflagrar tempestades cerebrais. Em algumas crônicas antológicas observamos em meio ao relato uniforme do texto suas frases luminosas que estremecem de súbito a superfície enganosamente calma do relato, desvelando verdades insuspeitadas, que funcionam como punhaladas certeiras em nossa sensibilidade. Com efeito, uma mestra em selecionar palavras com extrema severidade de gosto, palavras que pulsam como signos. Ao final da crônica “Pertencer”, publicada no Jornal do Brasil de 15/06/1968, Clarice Escreve: “A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho”. Assim foi Clarice, simplesmente Clarice, a nos mostrar como encontrar a gota de água em que se busca a súmula da vida, da alma, e do mundo.


Livro: “Clarice Lispector – Todas as crônicas” – Editora Rocco – Rio de Janeiro-RJ, 2018, 704p.
ISBN 978-85-325-3121-6
OBSERVAÇÃO: O Link para compra e pronto envio desse, e todos os outros livros da autora é:

https://www.rocco.com.br/autor/?cod=89
Simone361 28/01/2019minha estante
Fantástico!!




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