Elida Malheiros 29/01/2019
Um Romance de Época nada Clichê
"- É sempre tão intrometido, senhor...? - Sugeriu quando a peça caiu no chão e eles se olharam no espelho, a frente do qual estavam parados. Era uma peça grande, de madeira entalhada com folhas e mostrava ambos dos pés à cabeça. Joana tinha uma noção exata de como o torço dele se delineava sob a cambraia branca da camisa. O pensamento a fez suprimir a respiração. Quando ele havia retirado o paletó?
Matheus ainda estava composto, perfeito no que restava de seu traje de noite, mas Joana segurava parte do vestido inutilizado junto a si enquanto deixava que sua chemise fosse avaliada em toda sua totalidade, revelando a silhueta de seus seios. Sabia que era alvo do olhar do jovem, e aquele estranho formigamento de excitação cobriu sua pele, tornando-os doloridos e inchados, fazendo-a, inconscientemente, morder o lábio inferior. O peito subia e descia graciosamente sob o tênue tecido, de forma que Matheus os viu enrijecer sob seus olhos.
- Somente quando a dama em questão me fascina - Devolveu o jovem, após algum tempo. A voz rouca ao pé do ouvido transbordava desejo."
Esse livro me transportou pra uma época muito glamourosa aqui no Brasil, onde os barões do café mandavam e desmandavam, onde donos de fazenda eram como donos do mundo, e a riqueza e o status, eram mais importantes que o caráter. Infelizmente essa também era uma época de escravidão e onde as mulheres não tinham voz. Essa ultima parte, foi uma das quais mais me chocou durante a leitura, afinal, a mulher era sim, só mais um objeto dentro da casa.
A História começa no início de 1800 e nos trás um vislumbre do passado da personagem principal: Joana. Ainda jovem, na flor da sua adolescência, o próprio pai de Joana perde a jovem em uma aposta de cartas para outro fazendeiro da região, e sendo uma jovem destemida, Joana foge. Sem dinheiro ou bens para sobreviver, Joana paga uma carruagem de aluguel até onde o dinheiro dá, e numa noite tempestuosa, ele se vê em uma cidade desconhecida, e em frente a um solar: o solar dos Castro. A única coisa que Joana não imaginava é que dali pra frente, ao entrar por aquelas portas, sua vida mudaria da água para o vinho.
O solar em si, é como outro personagem da história, já que ele tem a sua própria trajetória, ele abrigou gerações, sofreu mudanças e foi palco de muita, mas muita coisa absurda. Atualmente a estrutura gloriosa abriga nada mais, nada menos, que um bordel, ou como sua dona gosta de chamar: Uma casa de prazeres. Então é isso aí mesmo, Joana recebe acolhimento no ultimo lugar que uma jovem imaculada pensaria em se abrigar, e para sobreviver no meio desse lamaçal todo, ela vai precisar se reinventar e se reaprender.
Apesar do livro abordar temas MUITO pesados, como estupro, violência de todos os tipos, preconceitos e julgamentos, a Roxane soube dosar bem as partes que vão te jogar lá embaixo e as que vão te pôr pra cima, logo a gente acaba se acostumando com os altos e baixos dos personagens, até porque, eles são bem reais. Sabe quando você acaba se surpreendendo com determinadas atitudes? Me senti assim várias vezes, afinal esse é um livro de romance! Mas não deixe se enganar kkk os personagens são tão reais quanto eu e você e todos ali estão jogando um jogo longo e perigoso, a gente sente isso.
Quanto ao romance, é como se fosse uma busca pela redenção. A história é meio que dividida em 2 partes, quando eles se conhecem assim que Joana chega a cidade e uma segunda parte 10 anos depois do primeiro contato entre os dois. Achei isso muito perspicaz, afinal, Joana chega em Santa Sé por volta dos 16 anos, e no ambiente em que o livro é descrito, principalmente na situação em que a jovem se encontrava, não dava pra firmar um amor tão bonito quanto o de Joana e Matheus, já que família de Matheus é inimiga número 1 do solar e tudo o que ele representa, mas ai já é uma história que é traçada nas entrelinhas e que se eu falar, será spoiler kkk.
O contexto histórico é muito detalhado, com ruas, casas, teatros, comportamentos típicos daquela sociedade, tanto como ir à missa aos domingos, ao simples ato de ir numa loja comprar tecidos para fazer os vestidos da estação. É um clima bem cidadezinha mesmo, não sei se Santa Sé existe, mas imaginei uma pitoresca cidade com muitos segredos, belas paisagens, e ótimos lugares para desfrutar de uma boa conversa.
Apesar do contexto do livro ser o mais pesado que li da autora até agora, eu recomendo demais a leitura dele, já que ele tira a gente da nossa zona de conforto, principalmente quem é fã do gênero. Vai ter romance sim, mas não senti como se ele fosse o centro da história, cada personagem tem algo a contar, as relações são construídas de forma sólida, é como se tivessem histórias dentro da história principal, e assim a gente vai acompanhando os dramas de cada um, vendo o crescimento, as descobertas. É um livro que vai além do amor, com certeza! Ele vai trazer o real valor de uma amizade, o perdão, o sentimento de nunca ser tarde pra consertar os erros do passado, mostra a força que uma mulher pode ter, ele empodera uma simples cortesã do século 18 e faz a gente perceber que, não importa as decisões que já tomamos na vida, sejam por quais motivos imaginarmos, o que importa é o que podemos fazer hoje, é nos reconstruirmos, e assim sempre procurarmos um futuro mais digno.
Sei que não abordei muitos temas centrais da história e não falei muito sobre os personagens, mas acho que essa experiência cada leitor vai ter que viver durante a leitura. Só sei que gostei demais! Posso até ter me chocado em alguns pontos, mas foi uma leitura que valeu não só a pena, mas sim a galinha inteira.
site: www.falandodoqueli.com