@fabio_entre.livros 19/06/2024
De uma Pedra a outra
Entre os agraciados na dedicatória do "Romance d'A Pedra do Reino", Ariano Suassuna inclui José Lins do Rego. Isto não se deve apenas à circunstância de serem ambos conterrâneos paraibanos, mas também à influência literária que Zé Lins teve sobre Suassuna. "Pedra Bonita" foi uma dessas influências fundamentais para a gênese do primoroso romance protagonizado pelo quixotesco Quaderna.
"Pedra Bonita" inaugura um ciclo distinto na obra de Zé Lins: o do Cangaço. O título do livro faz referência ao mesmo lugar real também chamado Pedra do Reino, situado no sertão pernambucano, e que foi palco de uma carnificina sebastianista no século XIX.
Embora o autor faça questão de situar sua história um século depois dessa tragédia e ainda registrar uma nota introdutória afirmando que seu romance tem pouco a ver com aquele evento, os ecos dos acontecimentos de Pedra Bonita repercutem durante todo o livro. O protagonista, Antônio Bento, carrega duas culpas involuntárias: a primeira, ter nascido em Pedra Bonita, lugar considerado amaldiçoado; a segunda, ser descendente dos Vieira, família que "traiu" os romeiros (e fanáticos) da Pedra ao conduzir a polícia até lá. Bento vive em Açu, pequena vila sertaneja povoada por gente ignorante que o antipatiza devido a essas faltas contraditórias, e nem mesmo o bondoso padre Amâncio, seu padrinho, consegue amolecer o coração da população local.
O romance se divide em duas partes e, paralelamente, em dois temas: em primeiro plano, o já citado cangaço, com toda a sua violência, arbitrariedade e repressão (não apenas por parte dos cangaceiros, mas igualmente pela volante, a polícia da época). Em segundo lugar, e mais destacado na segunda parte, o misticismo religioso que chega ao paroxismo com a chegada de um "novo santo" em Pedra Bonita. Como ocorrera cem anos antes, o cenário de fanatismo parece prestes a renascer em iguais circunstâncias, impulsionado pela miséria, pela falta de perspectiva, pelo próprio cangaço, mas, principalmente pela credulidade daqueles sertanejos sofridos.
Zé Lins apresenta um retrato pungente do Nordeste da década de 1930, mas é interessante observar que não são apenas os aspectos negativos que ganham contornos no livro. Também há espaço para o enaltecimento da natureza (fauna, flora, geografia) e da cultura (culinária, música, folclore), fatores que, aliados à sua escrita dinâmica e sem floreios, resultam numa obra digna de ficar na mesma prateleira que "Vidas secas" e "O quinze".