spoiler visualizarbrumafilia 10/11/2023
1,5☆: É o que é.
Oi! Li o livro já tem uns meses, e estes são alguns dos meus problemas:
1. Escrita
Tive muitos incômodos com a escrita de CAEDN. O que me pinicou, em parte, foi o melodrama em que os elementos emocionais foram envelopados. Além disso, vícios de estrutura de texto deram à experiência dessabores inescapáveis. As reticências, por exemplo, que imagino como veículos de pausas dramáticas, repetem-se sistematicamente ao longo do texto ("...e a voz dele cortou o mundo.", ...e o pequeno tigre deu um passo na direção dela."). Na maioria das situações, a adição do "e" não era necessária, como é o caso do último exemplo que trouxe, em que a remoção do conectivo não só não compromete o sentido, como também permite a absorção da ação em sua completa força e impacto.
Também tive problemas com o uso do "tu" e de conjugações empoeiradas. Confesso que àquele não dou tanta importância, pois sei que a conjugação do "tu" divide opiniões. Deste, porém, não abro mão. Eu destaquei oito usos de mesóclise ("apoiar-te-ei", "alimentar-se-ia", "encontra-lo-ia", "poupar-te-ia, etc), e podem ter certeza que deles tirei oito dores de cabeça. Tornar a prosa púrpura não é sinônimo de escrever bem; pelo contrário, demonstra certa imaturidade (o que, obviamente, não é crime).
Mas meu problema principal com a escrita é a falta de sutileza. Esta é uma história em que mulheres são sistematicamente violadas e massacradas, em que o assassinato de fêmeas de dragão é uma carreira. Kader traz mensagens impactantes, embora não muito sofisticadas, as quais são compreendidas já nos primeiros capítulos. Fiquei me perguntando, então, se eram realmente necessários trechos como "Você acha que ela merece só porque é casada com ele? Porque nossas tradições nos tratam como meros objetos ao dizer que pertencemos a vocês, homens?" Veja bem, se a última pergunta fosse de fato um inquérito, uma compreensão, e não a explicação das engrenagens do patriarcado local, seria um caso diferente. Não sou mais um desses puristas de "show, don't tell", mas esse é um belíssimo caso de que a informação, quando mostrada, dispensa explicações. Os leitores realmente não precisavam de (mais uma) explicação para o óbvio (parênteses adicionados, pois também houve repetições consideráveis de informações já estabelecidas).
2. (Desenvolvimento de) Enredo
Desculpem, mas as ideias que dariam um ótimo livro transformaram-se em um trauma porn. Sinceramente, eu nem consigo descrever a quantidade de cenas desnecessárias, completamente "excluíveis" que ofuscaram as boas... Não tenho o que acrescentar, trauma porn define explicações quilométricas.
Outras duas coisas. No começo, eu tive problemas para diferenciar as vozes narrativas dos dragões. Isso fez com que eu passasse 15% do livro confuso quanto à história. Não sei se foi desatenção minha, ou probleminhas sutis de continuidade (isso é, sequenciamento de cenas) que poderiam ser facilmente rearranjados. Também acho que, por causa dos tons melodramáticos, houve homogeneização da voz narrativa como um todo. Tirando os caricatos, como o Leto, os personagens narraram a história sem personalidade o bastante para que a diferença entre eles fosse cristalizada.
A outra questão diz respeito à cena do templo. Após tantas páginas de trauma porn, cheguei à cena um tanto fatigado. O kindle marcava cerca de 70% do livro, o que me indicou que eu estava no clímax da história. O problema é que, em uma estrutura tradicional de storytelling de fantasia, após o clímax nós temos o "declínio" da ação (em outras palavras, a calmaria depois da tempestade, a paz ou devastação que nos leva à conclusão). Porém, o embate que leva à morte do Tiggre me pareceu um climax fora do climax? O que resultou de tudo isso: mais fatiga ainda e a sensação, pelo 30% restante, de que a grande tensão foi mal-posicionada (ou mal-administrada) e que o livro se arrastava. Eu fiquei sem entender. Mesmo agora não consigo traduzir a estrutura do enredo, e isso é um vazio que me persegue quando lembro de CAEDN. Se eu fosse o leitor crítico do livro, usaria um bom tempo só refletindo e discutindo sobre essas cenas.
3. Vilão
O Leto Demetrius é tudo o que um antagonista não pode ser. Eu não acho que vilão bom é necessariamente aquele com passado triste, com moralidade acizentada; não acho que é impossível um vilão que é apegado à vilania pela vilania em si mesma ser um bom antagonista. Bons vilões vêm de todos os lugares, surgem de todos os motivos, e acabam no mesmo lugar: imprevisibilidade. O condicionante de terror que emana de bons vilões vem da incerteza que os acompanha. Nós não sabemos o que vão fazer depois, não sabemos se, ao tocar uma criança, vão afagá-la ou assassiná-la. Essa imprevisibilidade é o que faz o nosso coração arder de ódio (e amores) pelos antagonistas. Porém, se, toda vez que o vilão abre a boca, ele diz o que vai fazer, sendo, nesse caso, matar e estuprar os corpos mortos, este é um vilão não apenas previsível, como mal-escrito. Não é a ameaça declarada de estupro que nos faz temer algum personagem, mas a incerteza se ele é capaz (ou está a fim) de estuprar ou não.
4. Desenvolvimento de personagens
A sensação que eu tive, ao terminar o livro, era de que metade das personagens não teve desenvolvimento apropriado. O Klud pouco foi transformado pelas centenas de páginas: terminou o livro com o mesmo objetivo do começo. Com o Demetrius, ainda que em parte sofrendo certas consequências pelos seus atos, o mesmo acontece. O Hanzor, já revelado ameaça no início, não foi transformado pela convivência com a Yanaa. Sobre o Hanzor, eu me perguntei: por que a escolha de mantê-lo junto a Yanaa, então? Duplas em fantasias são tropes deliciosas, porque são dispostas para que duas partes contrastantes, às vezes rivais, se desenvolvam com a convivência. Acredito que a decisão teria funcionado melhor se as intenções do draconiano tivessem sido acobertadas, dando-nos, assim, um subplot de traição. Mas não rolou :/
(tinha mais inclusive pontos positivos mas o skoob me cortou enfim bjs estou à disposição!!!