spoiler visualizarVanelise.Aloraldo 15/02/2019
Sobre a era da "pós-verdade", das "fake news" e dos "fatos alternativos", ou seja, das fábricas de mentiras...
Para começar, este livro é necessário para um debate que é urgente.
SUPER RECOMENDADO PARA TODOS/AS!
Trata-se de uma leitura fluída, pois a linguagem é acessível e de poucas páginas.
A autora, Michiko Kakutani foi por muito tempo crítica literária do The New York Times, além de ter recebido um Prêmio Pulitzer em 1998.
Já na introdução, compreendemos que o livro tratará de uma estratégia política utilizada por muitos governantes para a conquista de poder. Claro que, especificamente esta obra, analisa as artimanhas do governo Trump, entretanto, é quase impossível não compararmos com nossa realidade brasileira.
Vivemos num momento histórico em que as mentiras são produzidas em escala industrial. O medo às mudanças sociais, o ódio disseminado àquelas pessoas que pensam diferente ou agem diferente, as pessoas cada vez mais convivendo em "bolhas", perdendo a habilidade de dialogar, tornam-se cada vez mais manipuláveis na medida em que a emoção torna-se mais importante que a razão.
As ondas de populismo e fundamentalismo estão se espalhando pelo mundo: os ataques à imprensa, o descrédito no sistema de justiça, a aversão a tudo que é público, as pessoas cada vez mais querendo "eliminar" o outro com brutalidade (sem sensatez, sem lucidez, sem racionalidade), as instituições democráticas cada vez mais corroídas, e o que é mais nítido: TROCAM-SE SABERES CIENTÍFICOS, BASEADOS EM EVIDÊNCIAS, PRODUZIDOS POR ESPECIALISTAS E PESQUISADORES, PELO SABER DAS MULTIDÕES, PELAS MERAS "OPINIÕES"!
Atualmente quem tem bom senso é tratado como "ameaçador", "perigoso", não é atoa que a autora inclusive cita algumas das mais importantes distopias que parecem ter previsto tudo isso.
Um eleitorado frustrado e desesperançoso, uma enxurrada de informações falsas atacando pessoas da oposição e favorecendo alguém (notícias tendenciosas), uma disputa altamente polarizada, uma comunicação digital vulnerável e um crescente desprezo em relação ao conhecimento especializado propiciam uma generalização de ideias preconcebidas, discursos relativistas e primitivos (hoje em dia fala-se em estudar o criacionismo nas escolas, que não existe aquecimento global, que as vacinas fazem mal, etc.).
Existe em curso um discurso "paranoide", alimentado por fervorosos exageros, intolerância, desconfiança nas instituições democráticas e fantasia conspiratória, como se estivéssemos a mercê de uma ameaça (comunista, geralmente), o que inflamam sentimentos de raiva e busca por soluções rápidas e fáceis (ou melhor: simplistas).
Trump baseia-se no instinto, não no conhecimento. Atua por meio de caprichos e ideias delirantes sem qualquer interesse em acabar com sua ignorância, pois "lê o que reafirma suas crenças". Elegeu-se por meio de uma campanha dominada por dinheiro e manipulação das mídias (o anonimato da web propagou uma nociva ausência de responsabilidade), maquiando os limites entre fato e opinião. Mantém-se no poder preferindo nepotismos e "afinidades ideológicas" do que pessoas qualificadas com expertise, desacreditando no jornalismo e atacando repórteres, como se fossem "inimigos do povo". O problema não é a falta de vergonha e má fé de Trump para mentir, mas sim, que essas centenas de mentiras criam a imagem de uma nação em apuros, a espera de um "salvador", que por mais absurdas que sejam suas declarações, possui um público alvo disposto a acreditar nele, sem objeções, sem admitir seus erros, sem sequer supor que está sendo enganado.
A desinformação, as mentiras fabricadas, muitas vezes normalizam o inaceitável e criam cortina de fumaça produzindo distrações para diluir a atenção e o foco e semear rumores e confusão. Entretanto, tomemos cuidado, pois sem a defesa da verdade, a democracia é facilmente tolhida e as liberdades também.
Seguem algumas citações:
"O cansaço e o medo podem tornar pessoas suscetíveis a mentiras e falsas promessas" (pág 9).
"[...] a democratização libertadora da informação possibilitada pela internet não apenas estimulou a inovação e um empreendedorismo de tirar o fôlego, como também deu origem a uma enxurrada de desinformação e relativismo, conforme evidenciado pela atual epidemia de notícias falsas" (pág. 54-55).
"[...] as pessoas encontram um senso de comunidade em bairros, igrejas, clubes e outras organizações com ideias semelhantes às suas. Essa dinâmica seria ampliada na velocidade da luz pela internet - por sites de notícias que abastecem pontos de vista ideológico particulares, por fóruns de interesses específicos e pelas redes sociais, que ajudaram as pessoas a se isolarem ainda mais em bolhas de interesses compartilhados" (pág. 133).
"[...] na cultura midiática da nova direita, informações negativas simplesmente não penetram mais. Gafes e escândalos podem ser apagados, ignorados ou distorcidos. [...] Trump provou que um candidato pode ser imune a narrativas, críticas e checagem de fatos" (pág.143).
"Na web, onde cliques são tudo e entretenimento e notícias estão cada vez mais misturados, o material sensacionalista, bizarro ou revoltante sobe para o topo, com posts que apelam cinicamente para a parte rudimentar de nossos cérebros - para emoções primitivas como medo, ódio, raiva" (pág.151).