Punindo a Culpa como Dolo

Punindo a Culpa como Dolo Guilherme Brenner Lucchesi




Resenhas - Punindo a Culpa como Dolo


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Paulo Silas 24/04/2020

Estabelecendo uma abordagem ampla e sem igual sobre a figura da 'cegueira deliberada', a obra, fruto da tese de doutorado do autor, disseca o tema com profundidade, expondo todas as nuances da problemática da questão tratada. Como bem evidencia Luís Greco no prefácio do livro, "quem quer importar concepções estrangeiras, não apenas tem que saber o que propõe importar [...], mas o porquê de o fazer" - e é justamente nesse sentido que são feitos os profundos apontamentos críticos por Guilherme Lucchesi, evidenciando com robustez as razões pelas quais se é possível afirmar que se faz um uso inadequado e equivocado da teoria no Brasil. Assim, a obra expõe criticamente a forma com a qual é feita o uso da cegueira deliberada no Brasil, demonstrando os diversos equívocos na adoção desarrazoada dessa figura pelo direito brasileiro.

A obra inicia demonstrando "o protagonismo da jurisprudência na disseminação da cegueira deliberada no Brasil", onde se aponta para o primeiro caso brasileiro em que foi utilizada a teoria da cegueira deliberada como justificativa embasante da condenação: trata-se do notório caso do assalto ao Banco Central, cuja decisão que se utilizou da teoria em sua fundamentação para a condenação de alguns dos acusados é analisada criticamente pelo autor. Também nesse capítulo é feita uma exposição sobre o legado da jurisprudência sobre a figura da cegueira deliberada no Brasil, estabelecendo-se alguns argumentos propositivos.
No capítulo seguinte, "a cegueira deliberada no sistema jurídico-penal dos Estados Unidos da América", o autor faz uma imersão no sistema estadunidense a fim de resgatar o surgimento da 'willful blindness doctrine' - como desdobramento daquilo que surgiu na Inglaterra -, o que é realizado a contento. Mas não apenas o resgate do instituto em seu berço original é feito. O autor vai além, pontuando os diversos elementos de formação da culpa utilizados no sistema dos Estados Unidos a fim de comparar (uma efetiva comparação) com a legislação e dogmática brasileira com o fito de responder se tal comparação, como costumeiramente é feita, é realmente possível - concluindo pela incompatibilidade dos institutos 'dolo' e 'culpa' do sistema brasileiro com os 'mens rea' e 'culpability' do sistema estadunidense.
No terceiro capítulo, "desbravando a fronteira entre o dolo eventual e a cegueira deliberada", o 'dolo' no direito brasileiro é esmiuçado com o fim de analisar as diversas teorias e fundamentos que o constitui, evidenciando assim a ausência de qualquer identidade da figura da cegueira deliberada com o dolo - mesmo que na modalidade 'dolo eventual', refutando-se assim a possibilidade de um uso legítimo da cegueira deliberada no Brasil.

A conclusão se dá no sentido de que não há sentido algum em se desenvolver uma teoria da cegueira deliberada no Brasil. Os institutos que fundam a figura de cegueira deliberada são totalmente diversos daqueles que se fazem presentes no direito penal brasileiro. Não obstante a incompatibilidade da teoria, o autor evidencia que inexiste lacuna na questão da punibilidade brasileira que as figuras do 'dolo' e 'culpa' não deem conta, pelo que "a aplicação equivocada da "teoria da cegueira deliberada" levou à condenação mesmo diante da ausência de prova que conduzisse à atribuição de conhecimento ao acusado, criando deveres de conhecimento inexistentes", rompendo assim desmedidamente e erroneamente as estruturas dogmáticas brasileiras, uma vez que "o conceito de cegueira deliberada não corresponde necessariamente ao conceito de dolo" do Código Penal brasileiro. Tem-se assim uma ampla e efetiva contribuição para a dogmática penal brasileira, tratando-se de obra referencial para qualquer pessoa que pretenda pensar ou dizer sobre o tema. Uma análise coesa e crítica sobre a cegueira deliberada, portanto, é o que se tem nesse excelente livro, cuja leitura é fundamental para se compreender minimamente a grande problemática que é a coisa.

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