Flávia Menezes 21/11/2022
? O LIXO DE UNS PODE SER O TESOURO DE OUTROS!
?O Quebra-Nozes?, é uma edição ilustrada dos clássicos da Zahar, que inclui duas versões dessa história, sendo a original a que foi escrita por E.T.A. Hoffmann, e sua versão clássica, de Alexandre Dumas. De fato, essa é uma das histórias que mais contou com uma diversidade de revisões e adaptações, incluindo o renomado balé homônimo do russo Piotr Illitch Tchaikovsky.
Ernest Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann, mais conhecido como E.T.A. Hoffmann, foi um escritor romântico, compositor, desenhista e jurista alemão, e é conhecido como um dos maiores nomes da literatura fantástica mundial, que influenciou nomes como Charles Dickens, Mary Shelley, Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, Herman Melville, Joseph Conrad e Fiódor Dostoiévski, apenas para citar alguns.
Em sua versão original, ?O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos? de E.T.A. Hoffmann, foi publicado em 1816, e é um conto natalino que muito embora não seja considerado como contos de fadas por se tratar de uma narrativa inventada por apenas um autor e não de uma matriz oral, ainda assim, reúne elementos populares e comuns da sociedade daquele período, explorado através de um universo fantástico, que o faz se aproximar desse gênero textual.
Nesse conto nos deparamos com duas histórias: uma principal, a que nos fala sobre como Marie quebrou o feitiço do Quebra-Nozes e se casou com ele, e a história que o padrinho Drosselmeier narra enquanto Marie está doente, sobre uma princesa chamada Pirlipat. Essas duas narrativas possuem um ponto de contato, que são o Quebra-Nozes e o padrinho Drosslmeier.
Enquanto a história principal nos apresenta essa estrutura de contos de fadas, a história da princesa Pirlipat é considerada um anticonto de fadas, em virtude de ser mais perturbadora, macabra e provocativa.
Nesse anticonto de fadas, o Rei e a Rainha são apresentados como dois tolos, e a sua filha, a princesa, é uma garota mimada, sendo essa família perseguida e amedrontada por ratos, que são os vilões da história que substituem as bruxas, as fadas e os ogros. Todo o horror e as ameaças que esses ratos fazem à família real são simplesmente ridículos, trazendo em sua gênese uma paródia da vida na corte da época.
Outros elementos que endossam os motivos pelos quais a história da princesa Pirlipat deva ser considerado um anticonto, é que a motivação do padrinho Drosselmeier e do Astrônomo para quebrar o feitiço da princesa, não acontece por heroísmo, mas apenas como uma forma para se livrarem da morte. E claro, para finalizar, o desfecho dessa história não é feliz, e depois de ter seu feitiço quebrado, porém tendo o jovem Drosselmeir, com um descuido, também ter sido enfeitiçado, ao invés de cumprir sua promessa de se casar com ele, e ajudar o seu salvador, a princesa termina por rejeitá-lo.
Mas, o lixo de uns pode ser o tesouro de outras, e é Marie, uma menina de coração puro, que concede a esse conto o seu final feliz, não desistindo do seu Quebra-Nozes, mas sim, o ajudando a quebrar o seu feitiço, para enfim ter o seu ?felizes para sempre? ao lado do belo e jovem Drosselmeier.
Quando olhamos esse conto sob as lentes da psicanálise, também vemos um conteúdo que se assemelha aquele que encontramos nos contos de fadas, quando a protagonista conquista o declínio do seu complexo edípico e, principalmente, a maturação da sua sexualidade, ao eleger o seu novo objeto de amor, o Quebra-Nozes, nomeado e reconhecido pelo seu primeiro amor, o pai, partindo assim para uma vida adulta independente ao lado do jovem Drosselmeier em um novo reino.
A versão clássica de Alexandre Dumas (pai) não possui tantas diferenças da original, e ter lido ambas em uma única vez, só me fez ter mais atenção a cada detalhe dessa história que, apesar de ter alguns elementos macabros, é uma encantadora história de natal repleta de muita magia e personagens encantadores, que nos transportam para muito longe de toda a loucura das obrigações e tribulações do nosso dia a dia, para sonharmos um pouco, e viajarmos nesse universo infantil.
Além de estarmos bem próximos da época de natal, acho que esse já é um motivo bom o suficiente para nos desligarmos das nossas mentes adultas, e embarcarmos em uma aventura gostosa nesse universo fantástico, como as crianças que um dia já fomos! E quem sabe com um pouco de magia, os nossos dias também não se tornem muito mais leves, e cheios dessa mágica de todos os natais? Eu só posso esperar que seja exatamente assim!