Carla Brandão 10/06/2020Um livro sobre duas mulheres. Mãe e filha. Madalena e Alice. A primeira, já idosa e portadora da doença de Alzheimer. A segunda, ainda jovem e responsável por seus cuidados. Duas versões de uma experiência, divididas por um projeto gráfico que traz cada uma em uma orientação diferente.
A primeira voz ouvida é a de Madalena, que se agarra aos resquícios de sua história. A doença foi apagando de sua memória acontecimentos e experiências, restando-lhe fragmentos difíceis de encaixar em uma trama que faça sentido. Apesar da convivência diária com Alice, são raros os momentos em que a reconhece como sendo sua filha. O apartamento já não se parece com seu lar. Com tantas lacunas em suas lembranças do passado, o presente é confuso, inseguro e perturbador.
Tudo o que se passa na mente de Madalena é habilmente transmitido através da escrita de Bia Barros. Cada palavra solta, cada conexão arbitrariamente feita dá uma ideia da experiência devastadora de se ausentar pouco a pouco de si mesmo.
Quando viramos o livro e ouvimos Alice, muitas lacunas são preenchidas e novos detalhes são conhecidos. Seu relato nos mostra como passou de uma jovem cheia de sonhos, que estudava e trabalhava, para a única responsável pelos cuidados da mãe, cada vez mais dependente. Assim como muitas mulheres, Alice passou a ver sua vida girar em torno da atividade de cuidar. Sem o apoio do irmão e sem qualquer benefício governamental, as condições financeiras se tornam precárias.
Todo esse contexto contribui para que passe a haver uma ambivalência na relação com Madalena. Apesar de todo o amor que sabemos que sente pela mãe, Alice tem momentos de irritação, frustração, raiva. Ela é humana, afinal. E a autora está preocupada em retratar a realidade, não em maquiá-la. Se julgamos as atitudes de Alice durante a narração de Madalena, somos convidados a praticar a empatia quando conhecemos seu lado da história.
Madalena, Alice tem poucas páginas, mas elas são carregadas de sentimentos. Temas como a velhice, a solidão, o medo e a culpa são trazidos à tona o tempo todo, gerando muitas reflexões. A leitura não é leve, não tem enfeites, não poupa o leitor. É impossível concluí-la sem ser afetado por ela.
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