Leticia2513 17/02/2021
Passagens de Rede de Sussurros
1º) " Fosse em encontros ou no trabalho, conhecíamos o poder de fingir que nossos filhos não existiam. Um homem podia dizer que ia tirar o dia de folga para pescar com o filho, enquanto para uma mãe, em geral, era melhor esconder o fato de que tinha estendido a hora do almoço para levar a criança no médico. Filhos transformavam os homens em heróis e as mulheres em funcionárias inferiores, se não fizéssemos tudo certo."
2º) " Mas mesmo os bons - ou especialmente os bons? - fingiam não notar as diferenças: como eram tratados com mais deferência ao telefone por terem uma voz masculina. Ou como sua altura, seu tamanho e a barba por fazer davam um peso autoritário e suas ideias que as nossas nunca tinham.Se chamavam sua atenção para isso, os homens bons desconsideravam essas observações com um constrangimento humilde e nos diziam como éramos mais inteligentes e melhores do que eles. Eles eram nossos colegas e alguns até nossos amigos."
3º) " Não importava quão habilmente fingíamos encarar numa boa as piadinhas indecentes ou como éramos convincentes ao provar que ficávamos à vontade em embates sem sermos agressivas, não importava com que precisão imitávamos nossos colegas do sexo masculino, quase sempre havia em nosso desempenho, no que dizia a respeito à competência e ao pertencimento, algo que os homens em nossos escritórios não conseguiam levar a sério. Eles achavam que liam os nossos pensamentos. Achavam que nos conheciam. Achavam-se capazes de prever nossos passos."
4º) " Ardie se manteve firme ao lado dela.
- Acho que parte do que provocou essa reação na minha cliente é o fato de que esses garotos constrangeram Abigail de forma proposital. E seguida a chamaram de louca. O senhor sabe que isso é problemático. É problemático porque quando permitimos que meninos chamem uma menina de "louca" de forma tão casual, bem, isso dá a todas as outras pessoas permissão para que não acreditem nela. Algum desses garotos foi chamado de louco por inventar essa história sobre 'sapatos', por acaso?"
5º) " Ele não tinha entrado na sala, mas seu corpo bloqueava a saída. a pulsação reverberava em seus tímpanos. Ela podia falar a verdade, mas aquilo não era da conta dele. ou talvez fosse, mas, em todo caso, ela já tinha dito uma mentira agora e teria que mantê-la até o fim. Ela pensou no envelope em cima da mesa e em como aquilo pareceria se ele examinasse a sala mais atentamente, em como soaria ridículo se ela dissesse que estava deixando o dinheiro ali em vez de pegá-lo. Ele não acreditaria." (Rosalita, faxineira da empresa) )
6º) " Ele se virou, as sobrancelhas se erguendo em surpresa. Os vincos em sua testa haviam se aprofundado ao longo dos anos. (Ao passo que nós precisávamos de cirurgias plásticas e preenchimento para nos mantermos relevantes, eles precisavam apenas envelhecer para se tornarem mais dignos. Não pense que não percebíamos)."
7º) "Ele deu uma risadinha e enfiou as mãos nos bolsos.
- Você é inacreditável, Sloane. Sabia?
Ela pensou sobre essa palavra. Inacreditável. Seria possível? Ele tinha escolhido a palavra certa, mesmo que não tivesse a intenção. O medo que a atormentava enquanto ela sofria com todas as injustiças, todos os desrespeitos, todo o direito de ocupar seu espaço e sua mente dos quais ele tirava o máximo proveito: o medo de que ninguém acreditasse nela. Tudo por causa daquele caso idiota."
8º) " Ignorávamos alguns comportamentos - não tinha problema ouvir uma piada sexual ou outra. Outros - homens que faziam questão de nos contar sobre seus casos extraconjugais, que entravam atrás de nós no banheiro, que enviavam mensagens com conteúdo sexual explícito e depois diziam que estavam bêbados demais para lembrar, que se recusavam a ouvir a palavra não", que retaliavam quando a ouviam, que apalpavam nossos traseiros - não podíamos ignorar. Ficávamos aliviadas quando não acontecia conosco. E quando acontecia, sentíamos um conforto nauseante por não ter sido apenas conosco.
Nós nos inclinávamos nas esteiras da academia, teorizando sobre o que motivava os homens naquela lista, e nesse sentido fracassávamos inerentemente, porque desperdiçávamos mais tempo concentradas na vida emocional deles do que eles jamais tinham refletido sobre a nossa."
9º) " Se havia uma obrigação mensal que temíamos, não era o backup dos bancos de dados operacionais, a entrega dos formulários de auditoria nem a verificação de atualizações dos pacotes de gerenciamento - era nossa menstruação. Nem todos os comerciais do mundo em que mulheres mergulhavam em piscinas usando biquínis brancos poderiam nos convencer de que a menstruação era algo belo. Nos melhores dias, mantíamos uma lealdade relutante a nosso corpo. Sabíamos que não deveríamos ter vergonha. Não tínhamos vergonha. Éramos mulheres adultas - o que é obviamente o motivo pelo qual desfilávamos para os banheiros com absorventes escondidos em mangas do cardigã, como se fôssemos espiãs transportando informações criptografadas. Tomávamos anticoncepcional na tentativa de ter o mínimo de controle sobre nossos hormônios incontroláveis. Desabotoávamos a calça quando nos sentávamos a mesa. Comíamos chocolate. Fingíamos que tudo isso era um mito. Que não tínhamos tubas uterinas, nem ciclos menstruais, nem seios, nem humores, nem filhos. E encarávamos como elogio quando um dos homens do escritório nos diziam que tínhamos colhões. Então, repita aí que este mundo não é dos homens."
10º) " Inevitáveis espirais de pensamentos negativos que se originavam do sentimento insistente que nos tornava pelo menos uma vez por semana, espalhando-se pelas nossas entranhas enquanto descíamos de elevador até o saguão, a lenta sensação de medo que apenas crescia: medo de que tivéssemos deixado algo pendente, de que tivéssemos conduzido mal uma situação, ou de que tivéssemos ferrado com tudo de forma irreversível. Mas não conseguíamos precisar o que, exatamente tínhamos feito de errado. E isso só piorava as coisas, porque deixava quatrocentos e oitenta minutos de possibilidades para vasculhar em busca da raíz do problema que envenenava a lembrança de cada dia."
11º) " Ardie, como muitas de nós tinha sido infectada pelo perfeccionismo, uma doença que, segundo diziam, era mais comum entre as mulheres em uma proporção de aproximadamente vinte para um. Para nossos filhos, perseguíamos o modelo de excelência da felicidade suburbana estabelecido por nossas mães donas de casa, e ao mesmo tempo assumíamos o papel de nossos pais provedores. E fazíamos o possível para que todos soubessem que estávamos lidando com isso às mil maravilhas, escrevendo bilhetes em guardanapos cuidadosamente dobrados e guardados nas lancheiras de nossos filhos."
12º) " Temos de admitir: nenhuma de nós achava mesmo que a maternidade e trabalho poderiam coexistir de forma harmoniosa. Pelo contrário, eram duas forças diametralmente opostas. Éramos prisioneiras, amarradas ao dispositivo de tortura medieval que puxava cada membro em uma direção, tendo desfrutado o raro privilégio de amar e ter escolhido nossos torturadores. Havia apenas o pequeno inconveniente de nossas articulações estarem sendo deslocadas e nosso coração estar saltando do peito."
13º) " Acordávamos no meio da noite ao som de vozes infantis e nos arrastávamos, sonolentas, pelos corredores em direção a rostos que não se importavam se tínhamos um relatório para entregar na manhã seguinte. Prendíamos a respiração enquanto medíamos a temperatura, tateando em meio ao terremoto que um filho doente causava em nossos cronogramas e dando telefonemas urgentes para amigos e parentes em um último esforço para coordenar os cuidados com a criança ou quaisquer que fossem exigências mínimas para ninguém chamasse o conselho tutelar."
14º) " Pedíamos aos nossos filhos que "fingissem não estar doentes" para que pudéssemos mandá-los a creche e assim deixar todas as outras crianças doentes. Um favor que, imaginávamos tinha sido retribuído muitas vezes. Dizíamos a nós mesmas, enquanto nosso próprio nariz escorria, a cabeça doía e o estômago recusava comida, que estávamos bem. Porque, o que quer que acontecesse, éramos a única opção, as encarregadas da tarefa de descobrir o que fazer a respeito de, bem, tudo. Então era alguma surpresa quando uma de nós surtava? Não era exatamente isso que o sistema tinha sido projetado para fazer?"
15º) " Nossas segundas-feiras chegavam com sentimentos contraditórios - culpa, medo, estresse, fadiga e alívio. Quando o fim de semana terminava, estávamos loucas para entrar na internet. Salivávamos diante da oportunidade de navegar por sites de compras e tomar o café fornecido pela empresa. Às segundas-feiras, tínhamos a consciência amarga de que fazia tempo que havíamos abandonado as férias de verão, que a monotonia do trabalho fluía ao longo das quatro estações, que um fim de semana era, em sua essência, apenas um dia de folga de fato, seguido e outro dia em que nos fortalecíamos para enfrentar o massacre iminente da semana seguinte, porque não tínhamos usado nosso tempo livre para nos atualizar em relação aos relatórios de despesa com havíamos planejado."
16º) " O que iríamos perceber, pelo visto tarde demais era que quando um prédio está em chamas, ninguém sussurra "fogo". Ninguém fica sentado em silêncio diante da mesa concluindo diligentemente o trabalho e corrigindo erros de digitação enquanto a fumaça entra na sala. Ninguém pede "socorro" com delicadeza, em voz baixa, para não perturbar os colegas.
Então porque fazíamos isso?
Shhh, não diga nada, mas... Por favor, mantenha em segredo, mas... Nós não contamos para mais ninguém, mas... Isso fica entre nós, mas...
Talvez as pessoas mais próximas conseguissem escapar, e as pessoas mais próximas destas, e assim por diante, mas sussurros têm alcance limitado. É este o propósito de sussurrar: garantir que nem todos ouçam."
17º) " Como sabíamos quando um comportamento inapropriado? A gente simplesmente sabia. Qualquer mulher com mais de quatorze anos provavelmente sabia. Acredite ou não, não queríamos ser insultadas. Não ficávamos sentadas, torcendo os dedos, esperando que alguém aparecesse e nos insultasse para que tivéssemos o que fazer naquele dia. Na verdade usávamos dezenas de desculpa para evitar a fadiga. Dávamos o benefício da dúvida. Encarávamos o comentário de um homem sobre como nossos saltos destacavam nossas panturrilhas como algo bem-intencionado. Entendíamos o desejo de que traçássemos um limite claro - isso pode, isso não pode. Essa linha não existia, ou pelo menis não de forma que pudéssemos traçar. Mas acredite que, quando começávamos a trabalhar, nossos medidores já tinham sido testados dezenas de vezes. Éramos especialistas em nosso campo.
18º) " Quando falávamos que preferíamos não ouvir comentários sobre o comprimento da nossa saia, queríamos dizer: gostaríamos de fazer nosso trabalho, por favor. Quando falávamos que preferíamos que não tentassem nos tocar em nosso escritório, queríamos dizer: gostaríamos de fazer nosso trabalho. Por. Favor. Queríamos ser tratadas como homens no ambiente de trabalho pelo mesmo motivo que as pessoas tem smartphones: porque isso facilita a vida."
19º) " Rosalita queria tomar um banho para se livrar da podridão dos homens... das coisas que eles faziam quando achavam que ninguém estava olhando e, pior, quando não se importavam se alguém estivesse olhando ou não."
20º) " Vivíamos com a culpa da mesma maneira que outras pessoas viviam com condições médicas crônicas, só que nosso problema era ainda menos tratável, disso não havia dúvida. Tínhamos culpas para todos os gostos: culpa da mãe que trabalhava fora, culpa da mulher sem filhos, culpa porque tínhamos recusado uma obrigação social, culpa porque havíamos aceitado um convite para qual sabíamos que não teríamos tempo, culpa por recusar trabalho e por não recusar quando sentíamos que já estávamos sendo exploradas demais. Sentíamos culpa por pedir mais e por não pedir o suficiente, culpa por trabalhar de casa, culpa por comer um bagel. Sentíamos culpa se não estivéssemos nos sentindo culpadas o suficiente, de tal forma que começamos a nos orgulhar dessa capacidade de funcionar sob conflito moral. Às vezes chegávamos ao ponto de sugerir a redução do nosso próprio salário simplesmente para aliviar a culpa de ter um emprego e ser mãe ao mesmo tempo."
21º) " Nós nos perguntávamos toda hora: estávamos fazendo a coisa certa? Estávamos estragando tudo? A gente gostaria de poder dizer que, diante de tudo aquilo, isso havia mudado, que adquirimos uma nova perspectiva. Em vez disso, simplesmente passamos um pouco mais de desodorante, abrimos o pacotinho de antiácido, preparamos nosso melhor sorriso falso e aperfeiçoamos nossas habilidades."
22º) " Nunca entendemos essa tendência de sermos subestimadas, nós que tínhamos sido batizadas e dávamos a luz m meio à dor,que sorríamos e suportávamos angústias enquanto aplicávamos delineador com uma precisão cirúrgica. Fazíamos as sobrancelhas, depilávamos o buço, ficávamos com a pele irritada depois de raspar a virilha, passávamos lâminas nas cavidades arredondadas das nossas axilas. Os sapatos faziam bolhas nos nossos calcanhares e deformavam a planta dos nossos pés. Suportávamos o trabalho de parto, o parto em si e as cesarianas, durante as quais os médicos literalmente colocam nosso intestino numa mesa ao lado do nosso corpo enquanto estamos conscientes. Fazíamos tratamentos faciais com ácidos. Aplicávamos botox na testa, preenchíamos os lábios e colocávamos silicone nos seios. Furávamos as orelhas e usávamos calças apertadas demais. Castigávamos nosso corpo a aula de spinning. Todos esses pequenos sacrifícios para parecer mais esbeltas e elegantes - a fêmea da espécie. O sexo frágil. Secretamente, tudo isso endurecia nosso couro, afiava nossas garras. Éramos mais fortes do que aparentávamos. A única diferença era que agora finalmente estávamos deixando isso transparecer."
23º) " Era impossível precisar quando aquele temor instintivo e imediato por nossa segurança tinha se instalado, a necessidade de olhar para trás ao atravessar um estacionamento vazio, de verificar embaixo do carro, de se inquietar quando um homem estranho se aproximava pelas nossas costas, de nos assustar quando ele nos parava para perguntas as horas. A percepção de que esse medo era particular a nós veio depois, a percepção de que, diferentemente dos meninos com quem brincávamos em ruas sem saída quando éramos pequenas, jamais superaríamos as historinhas da infância que serviam de lição. Sempre haveria estranhos nos oferecendo doces."
24º) " Rosalita chegou tão perto de Crystal que a deixou desconfortável, mas ela não se afastou um centímetro.
-Para. Está me ouvindo? Para com isso. Quando uma mulher se oferece para ajudar, você aceita. Entendeu?"
25º) " Certa vez Ardie ouvira algo fascinante: as mulheres tinham um medo constante de violência; o maior medo dos homens era passar vergonha."
26º) " Sloane se esticou por cima da mesa e apertou as mãos das amigas. Ardie sentiu um pouco de pena os homens, porque eles nunca davam as mãos uns aos outros."
27º) " À medida que cansamos de sussurrar. o que nós tínhamos a esconder, afinal? Tínhamos histórias, todas nós. Falar teria um preço? Talvez. mas talvez cobrasse o preço deles também. Assim, quando uma de nós falava, nunca era apensa por ela. Era por nós. na verdade, ela era o sacrifício voluntário. Mais lenha na fogueira alimentada por nós, nossas histórias, nossas vozes. E nós íamos atiçar as chamas. Espalhar a verdade. nos juntar ao coro. Reduzir tudo a cinzas. Arrasar a Terra, se fosse preciso. Começar tudo de novo.
Nosso legado seriam nossas palavras. Gritadas bem alto. Para todos ouvirem. Estávamos fartas de implorar que acreditassem em nós. Não pediríamos mais o benefício da dúvida. não pediríamos mais permissão. A palavra era nossa. Ouçam."