Carous 09/05/2021Nunca imaginei que esta seria uma leitura tão incômoda. Me deixou com nó na garganta, angustiada querendo salvar as personagens do Ames, dos advogados da Truviv, da opinião pública condenatória, do assédio e a autoproteção corporativa das empresas.
Até que percebi que as personagens ficariam bem, elas não são reais. Esta situação é fictícia. A autora controla o que acontece e como termina. Pode escrever um final feliz. A justiça será feita.
O que me fez mal foi a realização de que, apesar, de ser uma história de mentirinha, a temática não é. É um problema sério e real, sem solução; muitas vezes fechamos os olhos, viramos o rosto em outra direção, dizemos que interpretamos mal, apoiamos em silêncio a mulher que não fica calada porque temos medo de demonstrar apoio publicamente e sermos sabotadas. Não somos covardes ou desunidas; temos muito a perder se ninguém acreditar na vítima.
Acho que evitaria usar estupro na narrativa. Não foi irresponsável, não foi apelativo. Entendo porque a autora recorreu a isso e não está muito distante da realidade. Sejamos francos, nossas personagens estariam perdidas se não fosse por isso.
Mas me deixou desconfortável. E triste. Que na ficção tenha que se recorrer a métodos violentos para que assédio moral e sexual, comentários machistas apelidadas de "piadas" sejam vistos como comportamentos reprováveis e que na vida real não seja diferente. A violência sutil que nós mulheres sofremos no trabalho e em ambientes públicos, por exemplo, é sutil demais para alguns olhos. É "inocente demais" para que nossas reclamações valham alguma coisa, para que se veja que passaram do limite. Só quando algo brutal ocorre - como abuso sexual - que todos parecem abrir os olhos, perceber o erro, as empresas entendem que é um conduta que não devem estimular.
Eu gostei dos monólogos que antecediam o desenvolvimento da história. Focavam em questões do universo feminino - maternidade e as dificuldades de conciliar casamento, filhos e trabalho, como meninas são ensinadas a ficar caladas diante de assédios e agressões desde pequena, etc -. Não diziam nada de novo, mas não eram estereotipadas e colocavam todas as mulheres no mesmo saco. Foi reconfortante encontrar nas páginas algumas realidades iguais as minhas.
Não acho que este livro alcançará muitos públicos- principalmente o masculino - e é uma pena.
Taí um grupo que deveria tê-lo na mesa de cabeceira para ter uns
insights sobre a realidade das mulheres.
Dei 5 estrelas e não me arrependo. Sei que se analisar melhor encontrarei algumas falhas na história. Por exemplo, como a interseccionalidade é quase inexistente. Afinal, Sloane, Grace, Ardie e Katherine têm suas diferenças, mas todas são formadas, brancas, cis, héteros - algumas inclusive estão em relacionamentos heterossexuais -, magras. Americanas. Há uma personagem que remedia isso. O enredo dela acompanha os das cinco advogadas mesmo com as óbvias diferenças entre elas - educação, financeiro, estado civil, nacionalidade -. Foge da bolha, lembra-nos que essas mínimas diferenças influenciam na hora de abrir a boca para denunciar comportamento indevido do superior, lembra-nos por que algumas mulheres não denunciam ou aceitam dinheiro. Há diversos cenários.
Mas é narrado de uma maneira que soa legítima e não uma palestrinha rasa que ensina o padre a rezar missa.
E eu gostei que Grace, Ardie e Sloane não são perfeitas. Sloane é a que mais tive dificuldades de engolir. Ela é infiel, insistente, vacila com Ardie não achei que se desculpou propriamente, mas é assim mesmo. Não podemos colocar as vítimas numa caixa nem agir como se um deslize delas merece como punição assédio.
A nota final que a autora escreveu para o leitor explicando um pouco como surgiu a ideia para o livro e como foi o processo joga uma luz porque é uma história tão certeira na proposta. A autora teve sua cota de problemas no trabalho. Ouviu suas amigas reclamarem da mesma coisa. Acho que foi por isso que achei o texto dela tão bom e envolvente.