Delirium Nerd 17/08/2019
5 contos para conhecer a incrível prosa da autora
Lygia Fagundes Telles, grande escritora brasileira, possui uma prosa rica em detalhes e versatilidade, uma vez que aborda temas diversificados que vão do suspense ao romance e passam pela fragilidade das relações humanas e a condição de ser mulher na sociedade contemporânea; os contos são envoltos por um realismo fantástico que permeia nossos pensamentos, causa indagações e promove interpretações variadas sobre um mesmo ponto – há sempre um mistério, algo nas sombras, um sentimento inquietante, pairando pelo ar.
A prosa subjetiva e poética da autora encanta milhares de leitoras e leitores, das mais variadas idades, e precisa ser cada dia mais conhecida e relida, por apresentar temas necessários dentre diversas discussões. Suas personagens, na maior parte mulheres, dão vozes àquelas que conhecemos, diferentes entre si, mas igualmente cheias de bravura e deslumbramento perante o mundo.
1) Venha Ver o Pôr do Sol
O ex-namorado de Raquel, Ricardo, a convida para um passeio em um lugar um tanto inusitado: um cemitério abandonado. Os dois conversam sobre o presente de ambos, enquanto relembram fatos do passado e, ao passo que avançam no lugar, o clima fica gradativamente mais soturno; a promessa de se ver um lindo pôr do sol fica, aos poucos, mais distante e nebulosa. O desfecho deste conto é impressionante e serve como uma excelente porta de entrada para os escritos de Lygia. A obra, ainda, revela toda a podridão que pode derivar de um relacionamento abusivo e, principalmente, de uma masculinidade tóxica capaz de ir até às últimas consequências em função de um ego ferido.
O conto possui um ritmo que flui ao longo das páginas e a tensão crescente permite que a leitora ou o leitor fique angustiado para saber o que acontecerá em seu desfecho. Repare na construção do ambiente e em como a estética decrépita e invasiva encaixa-se na personalidade de Ricardo.
2) Os Objetos
Lorena e Miguel, um casal, conversam enquanto ela constrói, aos poucos, um colar de contas sobre a utilidade de certos objetos e em como estes mesmos objetos podem ser entendidos em paralelo à utilidade das pessoas que fazem parte de nossas vidas. O conto conversa sobre o ato de prestar atenção em quem faz parte do nosso convívio e sobre os problemas que a falta de comunicação, principalmente entre casais, pode gerar. Aqui, é interessante analisar a postura do personagem principal; querendo a atenção de sua amada a qualquer custo, comporta-se de modo infantil, ao passo que a mulher, claramente mais lúcida que ele, parece conhecê-lo bem e não dar a mínima para o comportamento (o que culmina na problemática do final).
O conto termina de forma que leitoras e leitores possam teorizar sobre o que acontece após o último ato de Miguel e a última conversa dos dois, regada por um teor melancólico e, de muitas formas, manipuladora por parte do homem. Este é o tipo de conto de Lygia no qual, por mais breve que seja, pode-se inferir muito sobre a construção psicológica dos personagens ali presentes, estando aberto a muitas interpretações.
3) As Formigas
Duas primas, uma estudante de direito e a outra de medicina, precisam pernoitar em um casarão muito estranho. A dona da hospedagem diz que o último hóspede do quarto em que as garotas ficariam, também estudante de medicina, havia deixado um caixote com ossos de um anão, nos quais fazia seus estudos. Somando o clima do local, muito sombrio, e a existência do caixote de ossos, as duas personagens passam a ser atormentadas por acontecimentos bizarros.
Este conto remete ao “A Queda da Casa de Usher”, de Edgar Allan Poe, e ao universo da série Twin Peaks. A estranheza do local, que parece ter vida e observar as personagens, e a sucessão de acontecimentos surreais promovem uma aura de suspense que inicia-se no primeiro parágrafo e estende-se ao último. Um dos contos de mistério da autora mais cativante e divertido de se ler!
4) Herbarium
“Herbarium” narra as peregrinações de uma jovem em busca de plantas para a coleção de um primo botânico, uma visita querida ao sítio em que mora e, mais do que isto, fala sobre o despertar das primeiras paixões, sobre a fascinação que o outro nos causa e o ciúmes que pode despontar destas trocas; fascinada pela natureza por conta do parente, a garota narra suas incursões pela mata próxima à sua moradia e, em cada gesto, nos transmite a consciência de uma ancestralidade feminina e sobrenatural muito forte, tanto no local quanto nela mesma.
A forma como Lygia conduz as descobertas da personagem e seu despertar para um “eu” primitivo é magnífica. A garota pega-se pensando na relação entre a natureza e a clarividência que, em certo trecho, evidencia-se nela pela existência de uma parente curandeira da menina, que também a possui, e pela estreita relação entre a doença que o primo tem e a ideia da morte – tanto do corpo físico dele quanto do possível afastamento entre os dois algum dia.
5) A Caçada
Um homem vai a uma loja de antiguidades e apaixona-se por uma tapeçaria que ilustra um bosque, imerso nas profundezas da mata, um caçador. A fascinação que a peça promove no personagem é gigantesca e, após este primeiro contato, episódios delirantes começam a se desenrolar. O conto possui um ritmo cinematográfico e uma crescente de fatos que prende leitoras e leitores do início ao fim do texto; a obra lembra o romance “Rose Madder“, de Stephen King, no qual uma mulher que sofre abusos físicos e psicológicos do marido reconecta-se consigo mesma após encantar-se pelo misterioso quadro de uma guerreira.
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