gabriel 11/03/2022
A Nova Guerra Fria dos Estados Unidos
Este livro é uma importante contribuição aos debates geopolíticos atuais, através do seu inovador conceito de "guerra híbrida", que tenta explicar a nova metodologia de interferência dos Estados Unidos (e aliados) nas regiões geoestratégicas de seu interesse. Por conta das novas características do século XXI, uma interferência direta nestes países é inviável (por conta, por exemplo, de uma possível reação nuclear, a fragilidade econômica pós diversas crises, etc...), então resta a interferência indireta nos países da periferia das potências, e o livro aqui é uma radiografia disso, explicitando os seus métodos.
O livro é de uma clareza cristalina sobre os temas que trata e tem um esforço didático muito grande, retomando temas anteriores, separando o desenvolvimento das conclusões, tornando-o uma leitura relativamente simples, considerando o complicado tema. É, portanto, uma leitura mais do que recomendada para entender os movimentos geopolíticos atuais e como eles operam.
Sobre isso, o livro vai ao detalhe, chegando ao ponto de explicar a importância de instalar "barracas de bebidas e lanches" nos locais de manifestação, para atrair civis incautos. Tirando fatos mais pitorescos (mas que somados, explicitam toda a estratégia empregada), o texto é muito feliz em explicar como opera a guerra híbrida, através dos seus dois principais pilares, a "revolução colorida" e a "guerra não convencional".
A revolução colorida seria uma revolta popular de diferentes matizes e caras, mas com a incrível coincidência de, no final, colocar um governo alinhado com os interesses norte-americanos. Por coincidência, nestes momentos sempre tem um figurão da CIA no local e momento certos, ou numa embaixada-chave da região, ou em missão diplomática.
Como dizia o lendário Leonel Brizola, político nacionalista brasileiro e herdeiro do trabalhismo, "onde é que está a CIA no Brasil?". É uma pergunta que vale se fazer, no caso das revoluções coloridas e criação de instabilidades. No entanto, o livro vai além e aponta também o papel de ONG's nesse processo (que de "NG", ou seja, "não governamental", tem muito pouco...).
O livro é feliz em separar essas instabilidades (artificialmente infladas por interferência estrangeira, em um movimento complexo e delicado) das legítimas reivindicações populares, e como mesmo legítimas, elas são manobradas por uma injeção de dinheiro muito grande, participação do departamento de Estado norte-americano, bem como as já citadas ONG's. Tão mais eficiente é este movimento quanto mais ele "apaga suas pegadas", dando um ar de espontaneidade à coisa. O livro mostra como isso pode ser feito, através de uma complexa engenharia social, explorando fragilidades psicológicas da população e crises internas.
Só achei que o livro poderia explorar um pouco mais o papel da grande mídia neste processo. Sendo que a guerra híbrida, nos dias de hoje, é praticamente um monopólio da ordem unipolar atual (em português claro, dos Estados Unidos), e considerando que toda a mídia ocidental é alinhada a ele (você leu um jornal, você leu todos), então é óbvio o papel massacrante destes na formação das condições necessárias à guerra híbrida.
Apesar de o Brasil, em nenhum momento, aparecer no livro, isso ficou muito claro em fatos políticos recentes por aqui, mas certamente se repete em outros países. Mereceria ser melhor explorado, de qualquer forma o livro é riquíssimo em informações e mostra outras formas de operação da guerra híbrida, envolvendo mídias sociais e infiltrações de todo o tipo.
O outro pilar da guerra híbrida, a "guerra não convencional", vem depois do clima político criado pela revolução colorida. Com um país em frangalhos, a guerra utilizando métodos não convencionais (que o livro explica brevemente), vem colocar o prego no caixão, e a região está jogada ao caos, servindo de "buraco negro" para atrair geopoliticamente as potências mais importantes (que são, de fato, o alvo visado). No caso, este alvo tem nome e endereço, e o livro não esconde que ele seria a Rússia, por motivos geopolíticos e históricos explicados no começo do livro (a região da Ásia Central seria o "coração do mundo").
Uma leitura completamente atual, alguns fatos relativos à Ucrânia também são explorados, o que atrai a atenção frente a fatos políticos recentes, ocorridos neste março de 2022. A Ucrânia também se insere neste contexto geopolítico, e na visão do autor, também sofreu a sua revolução colorida, com o Euromaidan em 2014. Tais fatos vão desembocar nos eventos políticos que vivemos hoje, o que deve alterar profundamente o equilíbrio geopolítico mundial.
É interessante, portanto, ver estes fatos num cenário maior, numa estratégia geopolítica complexa envolvendo vários aspectos da periferia da Rússia, passando pelos países imediatamente mais próximos (a própria Ucrânia, as ex-repúblicas soviéticas), passando pelos bálcãs, Grécia, Turquia, até mesmo questões relativas ao Afeganistão ele explora. Neste caso, o livro entra bem em detalhes no final, explorando questões mais específicas, formando um excelente apêndice que vale ser lido.
Livro imperdível que nos ajuda a esclarecer mais sobre a intensa batalha que hoje se desenha no mundo, envolvendo a interferência de outros estados na política interna dos países, sendo uma leitura relativamente simples e curta, e com diversas referências e outras leituras indicadas, que podem servir a um maior aprofundamento.