Flávia Menezes 19/12/2023
? OS PELES VERMELHAS DAS TERRAS DO TIO SAM.
?Lá não existe lá? foi publicado em junho de 2018, e concedeu ao seu estreante autor, Tommy Orange, uma premiação do ?American Book Award?, ficando finalista do ?Pulitzer Prize? de 2019.
Eleito um dos melhores livros de 2018 pelo ?New York Times? e ?Hypeness?, esse escritor americano e descendente das tribos dos Cheyenne e Arapaho de Oklahoma, nos traz um romance poderoso e inovador que mistura um conjunto de vozes nativas americanas em uma narrativa polifônica que fala sobre família, perda, identidade e poder, capaz de derrubar estereótipos no campo da literatura, nos fazendo compreender a fundo sobre os nativos americanos e suas vidas modernas nas cidades.
Esse foi o primeiro romance publicado por Tommy Orange, mas o nível da sua escrita tão poética é de um poder arrebatador! A história é contada sob vários pontos de vista, de diversos personagens, que vão nos fazendo compreender a cultura indígena com seus ricos costumes, enquanto nos contam todas as dificuldades pelas quais passam para preservar a identidade do seu povo frente à modernidade. E o nível de intensidade dessas narrativas é tão comovente, que era preciso parar um pouco para refletir sobre tudo o que me contavam. Mas confesso que se não fosse por isso, essa é uma leitura que eu teria simplesmente devorado!
São vários personagens cujas vidas vão se entrelaçando (e isso promete grandes surpresas!) repletas de tanto drama que não há como não se envolver, especialmente quando falam sobre a sua resistência para que não desapareça o poder deixado por seus antepassados de uma história repleta de muita dor e sofrimento, mas também de grandes conquistas. E dentro disso tudo, reside algo belo e que é de extrema importância para todos nós: a identidade!
Foram várias passagens que me emocionaram e encantaram, mas tem uma que eu quero dividir aqui, apenas para mostrar a força dessa escrita do Tommy:
?Não tínhamos sobrenomes antes de eles chegarem. Quando decidiram que precisavam manter um registro nosso, sobrenomes nos foram dados, bem como nos foi dado o próprio nome de índio. Eram tentativas de tradução e remendos de nomes indígenas, sobrenomes aleatórios e nomes que vinham de generais, almirantes, coronéis americanos brancos, e por vezes nomes de pelotões, que por vezes eram apenas cores. É por isso que somos Blacks e Browns, Greens, Whites e Oranges. Somos Smiths, Lees, Scotts, MacArthurs, Shermans, Johnsons, Jacksons. Nossos nomes são poemas, descrições de animais, imagens que fazem todo e nenhum sentido. Somos Little Cloud, Littleman, Loneman, Bull Coming, Madbull, Bad Heart Bull, Jumping Bull, Bird, Birdshead, Kingbird, Magpie, Eagle, Turtle, Crow, Beaver, Youngblood, Tallman, Eastman, Hoffman, Flying Out, Has No Horse, Broken Leg, Fingernail, Left Hand, Elk Shoulder, White Eagle, Black Horse, Two Rivers, Goldtooth, Goodblanket, Goodbear, Bear Shield, Yellow Man, Blindman, Roanhorse, Bellymule, Ballard, Begay, Yazzie. Nós somos Dixon, Livingston, Tsosie, Nelson, Oxendene, Harjo, Armstrong, Mills, Tallchief, Banks, Rogers, Bitsilly, Bellecourt, Means, Good Feather, Bad Feather, Little Feather, Red Feather.?
É algo tão belo, tão singelo, tão realista e tão poético, que chega a ter aquela musicalidade suave e comovente enquanto lemos, que me fez ficar perdidamente apaixonada pela narrativa de Tommy Orange à primeira vista.
Eu já tenho uma grande paixão que só Freud explica por romances sulistas americanos, e por suas histórias de cowboys, mas mergulhar nessa história me fez ficar apaixonada pela cultura indígena deles, e ver toda essa força que os índios tiveram desde a colonização dos Estados Unidos, que eu até já havia lido sobre em ?Um breve história dos Estados Unidos?, de James West Davidson, me fez querer conhecer ainda mais sobre essa cultura e seus costumes.
?Lá não existe lá? é um romance sobre um povo guerreiro, que luta para conquistar o seu lugar que é de direito no mundo. Um lugar onde seus herdeiros carregam na alma toda essa força dos seus antepassados, e dela se utilizam para lutar para que a sua identidade nunca se perca. Ao contrário! Que ela possa continuar, séculos após séculos, cada vez mais viva!