asnmendes 15/09/2021Chove nos Campos de Cachoeira, Dalcídio JurandirA região norte do Brasil possui grandes escritores que endossam a pluralidade criativa do povo brasileiro. É o caso de Dalcídio Jurandir que estreou no cenário literário com Chove nos Campos de Cachoeira.
Chove nos Campos de Cachoeira, primeiro livro do aclamado Ciclo do Extremo-Norte, conta o cotidiano de um grupo de moradores da vila de Cachoeira, situado na ilha do Marajó, no Pará.
Autoridades, religiosos, ex-escravos, prostitutas, curandeiros, comerciantes, entre outros perfis criados pelo autor concretizam as relações típicas desta localidade do país e ajudam a construir uma trama regional única.
Dalcídio Jurandir incute no enredo a maneira de falar do povo beira-rio. O que por um lado é uma exaltação à cultura local, pode dificultar a experiência dos que não estão acostumados com as expressões e ritmo do discurso regional. Com um pouco de esforço é possível superar esse detalhe e adentrar o universo rico e intrínseco às terras alagadas do Marajó.
Ao longo da narrativa, visualizamos as idas e vindas à Belém, o ciclo das chuvas na região, a dependência da natureza e ao mesmo tempo o sofrimento e morte causados pelas doenças da época. Tudo é encaixado de modo a contextualizar e convencer o leitor das belezas e mazelas de uma região historicamente esquecida pelo resto do país.
As intensas e fortes relações entre os personagens é um ponto alto de Chove nos Campos de Cachoeira. Os destaques ficam à cargo de Alfredo e Eutanázio, filhos do major Alberto, porém de mães diferentes.
Alfredo é um garoto que sonha em estudar em Belém, protagoniza as cenas mais simples de respeito e amor ao pai e sua mãe, D. Amélia. Já Eutanázio é um sujeito negativo, decadente e maldoso. Ele vive uma paixão obsessiva por Irene e, justificado por seus sentimentos, satisfaz os desejos de todos na casa da amada.
Alfredo e Eutanázio se contrapõem na narrativa tanto na idade, quanto no comportamento. É bom destacar que ambos não são perfis ideais, nem vilões ou heróis. Alfredo, por vezes, deixa de agir com bondade e deseja o mal para os outros, enquanto que Eutanázio, ainda que errado, nutri e protege o carinho que tem por Irene e se arrepende ou sente o pesar de suas atitudes com Felícia, por exemplo.
O livro segue nos apresentando muitos momentos da vila de Cachoeira: uma conversa no bar, a fofoca sobre a filha de alguém que engravidou, os velórios dos vizinhos, o famoso “pendurar/por na conta”, o ar de superioridade daqueles que passeiam por Belém e retornam à Cachoeira, entre outros.
Em cada capítulo, despontam personagens que contribuem com a narrativa e tornam tangível o cotidiano interiorano e as ruínas do ser humano. Complementando o pano de fundo, existem pinceladas sobre o fim do ciclo da borracha, sobre a Revolução Russa e o comunismo.
É necessário se atentar à leitura, pois, à primeira vista, o uso do discurso indireto livre atrelado à complexidade psicológica dos muitos personagens, pode gerar vários ruídos de interpretação e evolução da experiência.
Chove nos Campos de Cachoeira teve sua primeira versão em 1929. Porém, só foi publicado em 1941. No mesmo ano, o livro ganhou o prêmio Vecchi-Dom Casmurro, em um concurso de romances que tinha na banca de avaliação nomes como Jorge Amado, Rachel de Queiroz, e Oswald de Andrade. Em 1972, Chove nos Campos de Cachoeira ganhou o prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras.
site:
https://medium.com/asnmendes