Ana 15/04/2020
A doença do Brasil é o ódio de classe!
Esse livro é tão bom que eu o utilizei como base para escrever meu Trabalho de Conclusão de Curso, que abordou o seguinte tema: A INFLUÊNCIA NEOLIBERAL NO BRASIL E OS REFLEXOS NO FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO: A ELITE SE IMPÕE SOBRE A RALÉ? (link: http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2020/1/2020_01_0621_0654.pdf)
O livro é escrito com palavras de fácil entendimento. Um vocabulário mais da gente, do cotidiano. E, em alguns momentos, chega até a ser um pouco engraçada a narrativa. Engraçada, mas não muito. Os problemas são reais e as comparações literárias vão além do conhecimento do homem médio.
Nesse livro, Jessé explica, ao máximo, o porquê do Brasil estar dando tão errado em absolutamente tudo que mete a cara. Como o próprio nome diz "A elite do atraso" se instala e impede qualquer crescimento econômico, cultural, social ou espacial que a ela não pertença. Com isso, o autor quer dizer que a elite do atraso - leia-se como os ricos de verdade - sempre tampou o sol para os pobres. E quando se fala em RICOS, não falamos de burgueses médios como médicos, juízes, pessoas bem-sucedidas financeiramente, e muito menos políticos. Segundo Jessé, ricos de verdade são esses que manipulam a massa a ponto de transformar a Operação Lava Jato um assunto para brincantes. São os que modelam a sociedade e criam a cultura dos pobres e da classe média em geral, como, por exemplo, a família Marinho, donos da Rede Globo - a maior emissora da América Latina.
Ademais, o livro aborda tantos assuntos com uma explicação magnífica, principalmente no que toca o racismo estrutural e a chegada dos portugueses no território brasileiro. Não explicar o tanto de aprendizado que esse livro me trouxe. Recomendo fortemente!
Aqui, fiz quase um fichamento das partes que mais me chamaram atenção e podem vir a ser úteis um dia.
1. "Se dou comida aos pobres, me chamam de Santo. Mas quando pergunto por que são pobres, me chamam de comunista." Dom Hélder Câmara. (p. 8)
2. Não somos formigas que repetem uma informação genética, nosso comportamento é determinado por uma visão construída do mundo e das coisas. (p. 9)
3. Esse sentido do mundo nos parece então [...] natural, dado que nascemos sob a influência dele [...] Assim, ele nos aparece como algo confiável. É essa confiabilidade que torna tão fácil a reprodução dos privilégios legitimados. (p. 9)
4. Compreender a escravidão como conceito é muito diferente. É perceber como ela cria uma singularidade excludente e perversa. (p. 10)
5. O poder é a questão central de toda sociedade. A razão é simples. É ele que nos irá dizer quem manda e quem obedece, quem fica com os privilégios e quem é abandonado e excluído. (p. 12)
6. Destruir a Petrobras [...] significa empobrecer um país inteiro de um recurso fundamental. (p. 13)
7. Essas ideias do Estado e da política corrupta servem para que se repassem, a baixo custo, empresas estatais e nossas riquezas do subsolo para nacionais e estrangeiros que se apropriam privadamente da riqueza que deveria ser de todos. (p. 13)
8. Isso significa que, no espaço de décadas e até de séculos, todo conhecimento humano é dominado por um "paradigma". Um paradigma é o horizonte histórico que define os pressupostos para qualquer tipo de conhecimento. (p. 15)
9. O culturalismo tornou-se uma espécie de "senso comum internacional" para a explicação das diferenças sociais e de desenvolvimento relativo no mundo inteiro. (p. 17)
10. As pessoas passam a pensar o mundo de tal modo que favorece a reprodução de todos os seus privilégios. (p. 21)
11. O homem é percebido como espírito, em oposição às mulheres, definidas como afeto. Daí a divisão sexual do trabalho, que as relega ao trabalho invisibilizado e desvalorizado na casa e no cuidado dos filhos. Nós nunca refletimos acerca dessas hierarquias, assim como não refletimos sobre o ato de respirar. É isto que as faz tão poderosas: elas se tornam naturalizadas. (p. 23)
12. Culturalismo racista [...] não se vincula à cor da pele. (p. 24)
13. Colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso. (p. 25)
14. Quem controla a produção das ideias dominantes controla o mundo. (p. 25)
15. É necessário, para quem domina e quer continuar dominando, se apropriar da produção de ideias para interpretar e justificar tudo o que acontece de acordo com seus interesses.
16. O brasileiro como pré-moderno, tradicional, particularista, afetivo e, para completar, com uma tendência irresistível à desonestidade. (p. 28)
17. O mercado é divinizado pela mera oposição ao Estado, e sua corrupção - tanto "legal" [...] quanto ilegal [...] - tornada invisível. (p. 34)
18. O Estado é tornado o suspeito preferido - como os mordomos nos filmes policiais - de todos os malfeitos. Essa ideia favorece os golpes de Estado baseados no pretexto da corrupção seletiva. (p. 34)
19. É necessária uma reflexão independente também acerca do Estado e da sociedade para que o culturalismo conservador de direita não colonize a esquerda como acontece até hoje. (p. 40)
20. Todos falam. No entanto, dizer o nome não significa compreender o conceito. (p. 42)
21. Reproduzir todo tipo de privilégio escravista, ainda que sob condições modernas. E, com um toque satânico, demonizar o Estado como repositório da suposta herança maldita portuguesa e, sempre que ele for ocupado pela esquerda, reverberar seletivamente a acusação moralista já pronta.
22. Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu, como um Deus todo-poderoso, em senhores e escravos. (p. 52)
23. O próprio conceito de sadomasoquismo implica proximidade e alguma forma de intimidade. Intimidade do corpo e distância do espírito, sem dúvida, mas de qualquer modo proximidade. E, efetivamente, grande parte da relação entre senhores brancos e escravos negros se realizada sob essa forma de contato íntimo. (p. 55)
24. A transformação social de largas proporções, implicando novos hábitos, novos papéis sociais, novas profissões e, ao fim e ao cabo, a construção de uma nova hierarquia social. (p. 61)
25. Patriarcalismo [...] Esses valores universais e essas ideias burgueses entram no Brasil do século XIX do mesmo modo como haviam se propagado na Europa do século anterior: na esteira da troca de mercadorias. (p. 62)
26. O sistema social passa a ser regido por um código valorativo crescentemente impessoal e abstrato. A opressão tende a ser exercida agora cada vez menos por senhores contra escravos, e cada vez mais por portadores de valores europeus, sejam eles de qualquer cor - efetivamente assimilados ou simplesmente imitados -, contra pobres, africanos e índios. (p. 63)
27. O sadomasoquismo social muda de "habitação". (p. 63)
28. A urbanização representou uma piora nas condições de vida dos negros livres e de muitos mestiços pobres das cidades. O nível de vida caiu, a comida ficou pior e a casa também. (p. 61)
29. Para além das mudanças econômicas, houve as culturais e políticas, com o advento das novas ideias liberais e individualistas, que logo conquistaram setores da imprensa e as tribunas parlamentares. (p. 66)
30. A máquina veio desvalorizar a base mesma da sociedade patriarcal, desvalorizando o trabalho muscular e desqualificado do escravo, diminuindo tanto a importância relativa do senhor quanto do escravo, agindo como principal elemento dissolvente da sociedade e da cultura patriarcais. (p. 67)
31. O mestiço bacharel constitui uma nobreza associada às funções do Estado e de um tipo de cultura mais retórico e humanista do que a cultura mais técnica e pragmática do mestiço artesão. (p. 69)
32. Podemos perceber aqui a semente da formação de uma classe decisiva para a construção do Brasil moderno: a classe média, cujo privilégio irá se concentrar na reprodução social do capital cultural valorizado. (p. 69)
33. Ralé brasileira [...] mostrando que a antiga "raça condenada" se transforma em "classe condenada". Mas a sua função social continua a mesma. Ela serve às classes incluídas como mecanismo de distinção em duas frentes: uma simbólica, para provocar o prazer de "superioridade" e do mando; e outra material e pragmática, no sentido de criar uma classe sem futuro que pode, portanto, ser explorada a preço vil. (p. 70)
34. O ódio ao pobre hoje em dia é a continuação do ódio devotado ao escravo de antes. (p. 70)
35. A ânsia da modernização, de resto estampada na bandeira da nação nas palavras de "ordem e progresso", passa, a partir dessa época, a dominar a sociedade brasileira como o princípio unificador das diferenças sociais [...] É em nome dela também que passa a operar um novo código social nascente, uma nova "hierarquia social" que vai estipular os critérios que permitem e legitimam que alguns sejam vistos como superiores e dignos de privilégios, e outros sejam vistos como inferiores e merecedores de sua posição marginal e humilhante. " (p. 75)
36. A partir do fim do século XIX, no entanto, o Brasil passa por transformações fundamentais. A primeira e mais importante delas é a abolição formal da escravidão. Ela instaura um mercado formal competitivo do trabalho com base no contrato que significa uma importante mudança, ainda que com continuidades fundamentais sob outras roupagens. (p. 78)
37. Do abandono dos ex-escravos, a existência dessa classe singulariza e explica a situação social, política e econômica do Brasil como nenhuma outra questão [...] O dado essencial de todo esse processo foi o abandono do liberto à sua própria sorte (ou melhor, ao próprio azar). Como todo processo de escravidão pressupõe a animalização e humilhação do escravo e a destruição progressiva da sua humanidade, como a negação do direito ao reconhecimento e à autoestima, da possibilidade de ter família, de interesses próprios e de planejar a própria vida, libertá-lo sem ajuda equivale a uma condenação eterna. (p. 79-80)
38. "Ralé brasileira": composta pelos negros recém-libertos e por mulatos e mestiços de toda a ordem para quem a nova condição era apenas outras forma de degradação. [...] Temos aqui a constituição de uma configuração de classes que marcaria a modernização seletiva e desigual brasileira a partir de então. (p. 82)
39. Ao perderem a posição de principal agente do trabalho, os negros perderam também qualquer possibilidade de classificação social. [...] O negro torna-se vítima da violência mais covarde [...], é exigido dele agora que se torna trabalhador orgulhoso do trabalho. O mesmo trabalho que pouco antes era o símbolo de sua desumanidade e condição inferior. (p. 82)
40. A ansiedade pelo progresso percebido como imitação servil dos modos e das expressões culturais europeias criava um ambiente de intolerância. (p. 83)
41. Outro fator que perdura até nossos dias é que o medo dos escravistas da "rebelião negra" se transforma e é substituído pela definição do negro como "inimigo da ordem". [...] Vem daí, portanto, o uso sistemático da polícia como forma de intimidação, repressão e humilhação dos setores mais pobres da população. (p. 83)
42. A oposição entre o "pobre honesto" e o "pobre delinquente" rasga praticamente todas as famílias e torna muito difícil a existência de formas de solidariedade de classe na "ralé", as quais são possíveis , por exemplo, na classe trabalhadora. (p. 84)
43. O caso atual da exploração da ralé brasileira pela classe média para poupar tempo de tarefas domésticas, sujas e pesadas - que lhe permite utilizar o tempo "roubado" a preço vil em atividades mais produtivas e mais bem-remuneradas - mostra uma funcionalidade da miséria clara como a luz do sol. (p. 85)
44. A exclusão social e o comportamento disruptivo são sempre percebidos como passageiros, e não como aspectos que podem se tornar permanentes e que, dependendo do nível moral e político de uma sociedade concreta, podem ser reproduzidos Ad infinitum. (P. 85)
45. A teoria da modernização sofisticou a moda de eufemizar a realidade para negar formas de dominação que tendem a se eternizar. (p. 85)
46. Os países condenados a serem exportadores de matérias-primas para sempre não são mais chamados de subdesenvolvidos, mas sim de "em desenvolvimento", para assinalar uma transição que, na verdade, como também se comprova no caso brasileiro, nunca termina. (p. 85)
47. A própria formação daquilo que Florestan chama de "gentinha nacional", ou seja, os negros e mestiços e brancos "atrasados" que se amontoam nos cortiços e favelas. (p. 86)
48. Não há como separar [...] classe do preconceito de raça [...] são uma forma de continuar a escravidão e seus padrões de ataque covarde contra populações indefesas, fragilizadas e superexploradas. (p. 87)
49. O excluído, majoritariamente negro e mestiço, é estigmatizado como perigoso e inferior e perseguido não mais pelo capitão do mato, mas sim, pelas viaturas de polícia com licença para matar pobre e preto. [...] E essa continuação da escravidão por outros meios se utilizou e se utiliza da mesma perseguição e da mesma opressão cotidiana e selvagem para quebrar a resistência e a dignidade dos excluídos. (p. 88)
50. Inadaptados ao mundo moderno, nossos excluídos herdaram [...] todo o ódio e o desprezo covarde pelos mais frágeis e com menos capacidade de se defender. (p. 88)
51. Esse abandono e essa injustiça são o real câncer brasileiro e a causa de todos os reais problemas nacionais. (p. 89)
52. A forma mais eficaz e comum de se negar a importância do pertencimento de classe social para a vida de todos nós é percebê-la apenas como realidade econômica. (p. 91)
53. No nosso caso, as classes populares não forma simplesmente abandonadas. Elas foram humilhadas, enganadas, tiveram sua formação familiar conscientemente prejudicada e foram vítimas de todo tipo de preconceito, seja na escravidão, seja hoje em dia. Essa é a nossa diferença real em relação à Europa que admiramos. A principal diferença é que a Europa tornou as precondições sociais de todas as classes muito mais homogêneas. Ainda que exista desigualdade social, ela não é abissal como aqui. (p. 95)
50. O capital cultural, por exemplo, que significa basicamente incorporação pelo indivíduo de conhecimento útil ou de prestígio. (p. 97)
51. Tudo que chamamos de sucesso ou fracasso na vida depende do acesso privilegiado ou não a esses capitais. (p. 97)
52. São produzidos, nesse contexto, seres humanos com carências cognitivas, afetivas e morais [...] vão querer se distinguir e se sentir superiores. E essa superioridade tem que ser proclamada e repetida todos os dias sob as mais variadas formas. A própria lei formal não vale para elas. Sabemos que matar um pobre nunca foi crime entre nós. (p. 107)
53. Uma classe só tolerada para exercer os serviços mais penosos, sujos e perigosos, a baixo preço, para o conforto e uso do tempo poupado em atividades produtivas pela classe média e alta. [...] Como essa tragédia diária é literalmente invisível e naturalizada como a coisa mais normal do mundo, o próprio pobre acredita na sua maldição eterna. (p. 107)
54. Tenentismo, movimento de oficiais de baixa patente que ansiavam pela renovação moral do Brasil a partir de cima, pelo Estado reformador. (p. 119)
55. Sem aprendizado moral não se tem desenvolvimento econômico que sirva à maioria da sociedade. (p. 121)
56. É na esfera pública que a classe média é colonizada pelos interesses do dinheiro. (p. 123)
57. Para Adorno, a indústria cultural é a aplicação consequente da lógica capitalista da maximização do lucro à esfera dos bens simbólicos. Ou seja, além de ser a forma dominante de produzir mercadorias materiais, como salsichas e roupas, o capitalismo também passa a ser a forma dominante da produção de mercadorias simbólicas, como a informação e o conhecimento. (p. 131)
58. A classe média não é uma classe necessariamente conservadora. Também não é homogênea. O movimento tenentista, conhecido como o primeiro movimento político comandado pelos setores médios no Brasil, revela bem essas características. (p. 138)
59. A oposição à corrupção do Estado era uma das bandeiras centrais do tenentismo. (p. 139)
60. Como o Estado corrupto passa a ser identificado como o mal maior da nação, a elite do dinheiro ganha uma espécie de carta na manga que pode ser usada sempre que a soberania popular ponha no poder, inadvertidamente, alguém contrário aos interesses do poder econômico. (p. 140)
61. Se os pobres são desprezados, os ricos são invejados. Existe uma ambiguidade nesse sentimento em relação aos ricos, que vincula admiração e ressentimento. (p. 141 e 142)
62. A noção de patrimonialismo é falsa por duas razões: primeiro as elites que privatizam o público não estão apenas, nem principalmente, no Estado, e o real assalto ao Estado é feito por agentes que estão fora dele, sobretudo no mercado. A elite que efetivamente rapina o trabalho coletivo da sociedade está fora do Estado e se materializa na elite do dinheiro, ou seja, do mercado, que abarca a parte do leão do saque. (p. 144)
63. A vida política do Brasil, desde então, é dominada por golpes de Estado movidos pela elite do dinheiro, com o apoio da imprensa e da base social da classe média, sempre que a soberania popular possa servir, por pouco que seja, aos interesses das classes populares. (p. 150)
64. Dois países dentro do mesmo espaço, que o economista Edmar Bacha chamou de "Belíndia", uma pequena Bélgica para os 20% de privilegiados e uma grande Índia empobrecida e carente para os 80% restantes. É possível agora ser de classe média e não mais compartilhar espaços sociais com as classes populares. (p. 152)
65.O desprezo e a humilhação que essa classe sofre desde o berço, unindo socialização familiar precária, que é o essencial do seu aspecto de classe, com o preconceito covarde e secular contra o escravo, que é seu aspecto de raça, a levam a fantasias sua realidade intolerável. A fantasia, que assume a forma da fuga pela droga e especialmente pelo álcool, ou dos tipos de religiosidade mágica que prometem o que não se pode realizar, são exemplos do escapismo de quem não tem futuro. (p. 157)
66. A classe média tende a imitar a elite endinheirada na sua autopercepção de classe sensível e de bom gosto, mostrando que essa forma é essencial para toda a distinção das classes do privilégio em relação às classes populares. Mas a classe média acrescenta a noção de meritocracia, de merecimento de sua posição privilegiada pelo estudo e pelo trabalho duro, mérito percebido como construção individual. Ainda que a meritocracia, como a noção de sensibilidade tam´bem, seja transclassista, a classe média é seu habitat natural. (p. 157)
67. Ódio aos mais frágeis e a culpabilização da própria vítima pelo seu infortúnio construído socialmente. (p. 161)
68. A suposta virtude da sensibilidade separa as classes superiores das classes populares na Europa como em todo lugar. [...] Mas o que lá não se tem é a divisão entre "gente" e "não gente", típica de países escravocratas que nunca criticaram essa herança. No nosso caso, criamos, inclusive, uma herança fantasiosa, como se os 350 anos de escravidão não valessem nada. [...] O que precisa ser compreendido de uma vez por todas é que ser "gente", ser considerado "ser humano", não é um dado natural, mas, sim, uma construção social. (p. 162)
69. Pode-se chacinar e massacrar pessoas dessa classe sem que parcelas da opinião pública sequer se comovam. Ao contrário, celebra-se o ocorrido como higiene da sociedade. (p. 162)
70. O que está no jogo do capitalismo flexível é transformar a rebeldia secular da força de trabalho em completa obediência, ou, mais ainda, em ativa mobilização total do exército de trabalhadores em favor do capital. (p. 170)
71. A classe média é uma classe intermediária, entre a elite do dinheiro, de quem é uma espécie de "capataz moderno", e as classes populares, a quem explora. (p. 176)
72. A única corrupção que a incomoda é a reservada aos poderosos que controlam o poder político e econômico. (p. 178)
73. Em relação aos poderosos, a classe média pode se ver sempre como "virgem imaculada" e moralmente perfeita. (p. 178)
74. Para que se possa odiar o pobre e o humilhado, tem-se que construí0lo como culpado de sua própria (falta de) sorte e ainda torná0lo perigoso e ameaçador. (p. 179)
75. O Brasil tem mais assassinatos - de pobres - que qualquer outro país no mundo. São 70 mil pobres assassinados por ano no Brasil. Existe uma guerra de classes hoje declarada e aberta. Construiu-se toda uma percepção negativa dos escravos e de seus descendentes, como feios, fedorentos, incapazes, perigosos e preguiçosos, isso tudo sob forma irônica, povoando o cotidiano com ditos e piadas preconceituosas. (p. 180)
74. Mesmo quem critica os preconceitos os tem dentro de si, como qualquer outra pessoa criada no mesmo ambiente social. O que nos diferencia é a vigilância em relação a eles e a tentativa de criticá-los de modo refletido em alguns e sua ausência em outros. Mas todos nós somos suas vítimas. (p. 181)
75. Os quatro nichos ou frações de classe [...] às que denominamos como fração protofascista, fração liberal, fração expressivista [...], fração crítica. (p. 184)
74. O conceito de patrimonialismo é a noção explicativa mais importante - importante como um juízo de fato, não de valor - para a compreensão do Brasil moderno. (p. 201)
75. O conceito de patrimonialismo passa a ocupar o lugar que a noção de escravidão e das lutas de classe que se formam a partir dela deveria ocupar. A corrupção patrimonial substitui a análise das classes sociais e suas lutas por todos os recursos materiais e imateriais escassos. Faoro procura comprovar sua hipótese buscando raízes que se alongam até a formação do Estado português no remoto século XIV de nossa era. (p. 204)
76. Nas poucas vezes em que se verificou historicamente qualquer preocupação política com as demandas das classes populares, estas sempre partiram do Estado. (p. 205)
77. Desse equilíbrio de forças, temos a estruturação de uma comunidade dentro do Estado que fala em nome próprio: o estamento. Básico para o conceito de estamento é a noção de honra. Honra é o conceito central das sociedades pré-capitalistas tradicionais. Ela funda-se no prestígio diferencial e na desigualdade. Para Faoro: Os estamentos florescem, de modo natural, nas sociedades em que o mercado não domina toda a economia, a sociedade feudal ou patrimonial. Não obstante, na sociedade capitalista, os estamentos permanecem, residualmente, em virtude de certa distinção mundial, sobretudo nas nações não integralmente assimiladas ao processo de vanguarda... O estamento supõe distância social e se esforça pela conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas. As convenções, e não a ordem legal, determinam as sanções para a desqualificação estamental, bem como asseguram privilégios materiais e de maneiras. O fechamento da comunidade leva à apropriação de oportunidades econômicas, que desembocam, no ponto extremo, nos monopólios de atividades lucrativas e de cargos públicos. Com isso, as convenções, os estilos de vida incidem sobre o mercado, impedindo-o de expandir sua plena virtualidade de negar distinções pessoais. Regras jurídicas, não raro, enrijecem as convenções, restringindo a economia livre, em favor de quistos de consumo qualificado, exigido pelo modo de vida. De outro lado, a estabilidade econômica favorece a sociedade de estamentos, assim como as transformações bruscas, das técnicas ou das relações de interesse, os enfraquecem. Daí que representem eles um freio conservador, preocupados em assegurar a base de seu poder. Há estamos que se transformam em classes e classes que evolvem para o estamento - sem negar seu conteúdo diverso. Os estamentos governam, as classes negociam. (p. 208)
78. O Brasil não herda de Portugal sua estrutura social, mas sim da escravidão, que não existia em Portugal. (p. 210)
79. Não existe nenhum exemplo histórico de desenvolvimento de um mercado capitalista dinâmico sem que o Estado tenha sido o apoio e esteio principal. (p. 211)
80. O patrimonialismo é uma variação do tipo de dominação tradicional. (p. 211)
81. Entre 1930 e 1980, o Brasil foi um dos países de maior crescimento econômico no mundo, logrando construir um parque industrial significativo sem paralelo na América Latina. (p. 216)
82. Aqui valia tomar a terra dos outros à força para acumular capital, humilhação cotidiana. Isso é herança escravocrata, não portuguesa. (p. 219)
83. A história da sociedade brasileira contemporânea não pode ser compreendida sem que analisemos a função da mídia e da imprensa conservadora. (p. 226)
84. O início do império da Globo foi construído à sombra da Ditadura Militar. Começando a operar em rede no país como um todo, ela passa a servir como porta-voz dos interesses do governo militar. (p. 227)
85. A defesa de minorias, desde que não envolva repartição de riqueza e de poder social, é apoiada pela empresa, que pode posar de crítica e emancipadora. (p. 228)
86. A glorificação do oprimido não ajuda em nada na melhoria do cotidiano cruel e opressivo dos pobres, mas emula a necessidade de legitimação da vida que se leva quando as possibilidades de mudanças efetivas estão interditadas. (p. 229)
87. A imprensa atacou de modo virulento e ajudou no episódio do "suicidamento" de Getúlio Vargas, apoiou o golpe de 1964 e se tornou com prazer e desenvoltura a voz da Ditadura. Também perseguiu Leonel Brizola - como sempre, por dinheiro - e ajudou no desmonte dos Cieps e dos investimentos em educação popular no Rio de Janeiro. Envolveu-se em fraudes explícitas na apuração de eleições para beneficiar Moreira Franco contra Brizola. Apoiou Fernando Collor de Mello contra Lula, utilizando-se dos recursos mais baixos que um jornalismo de latrina pode usar, com a edição maldosa do debate entre os concorrentes para favorecer Collor. Apoiou a venda e privatizações do patrimônio público, enganando seus espectadores no governo FHC para facilitar o saque do patrimônio público. (p. 230)
88. Uma espécie de soberania judicial autoconstituída, levando o caso até a própria escuta ilegal da presidenta, o que em qualquer outro lugar onde as leis também se aplicam a juízes inflados por uma mídia venal teria que ter levado à sua prisão e destituição do cargo. (p. 231)
89. A grande mídia coloniza para fins de negócios, escusos ou não, toda a capacidade de reflexão de um povo, ao impossibilitar o próprio aprendizado democrático que exige opiniões alternativas e conflitantes. (p. 236)
90. Afinal, se existe uma coisa que não muda na América Latina é que os Estados Unidos estão por trás de todos os golpes de Estado. (p. 237)
91. Cinquenta e três por centro do orçamento é pago por pessoas que ganham até três salários mínimos, em um contexto no qual os ricos ou não pagam impostou o sonegam em paraísos fiscais. (p. 238)
92. A Globo, em associação com a grande mídia a maior parte do tempo, e a Lava Jato fizeram o contrário disso e a nós todos de perfeitos imbecis. A título de combater a corrupção dos tolos, turbinaram e legitimaram a corrupção real como nunca antes neste país das multidões de imbecilizados. (p. 239)
93. A Globo teria sonegado, segundo auditoria da Receita Federal, em intrincado esquema de ocultação em paraísos fiscais, 358 milhões de reais ao fisco. Outras grandes empresas de comunicação estariam na mesma situação, segundo outras auditorias. (p. 241)
94. "Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela própria." Joseph Pulitzer
95. Na esfera política, o juiz Sergio Moro condena, com visível inexistência de provas materiais, em sentença ridicularizada por especialistas internacionais, o ex-presidente Lula à cadeia. Líder isolado nas pesquisas, Lula tinha a preferência de cerca de 40% do eleitorado, o dobro do segundo colocado, Jair Bolsonaro. As eleições foram, por sua vez, dominadas por fake news e acusações de financiamento ilegal em favor do candidato que antes detinha apenas metade das intenções de votos de Lula. Terminado o pleito, Bolsonaro eleito, Sergio moro receberia como prêmio ao seu "trabalho" o cargo de superministro das atividades repressivas. (p. 250)
Citação: SOUZA, Jessé. A elite do Atraso.Rio de janeiro. Estação Brasil, 2019, p. (inserir)