Che 15/07/2017
DC ESPERANÇA
Ô, psit! Você já leu quadrinhos de super-heróis com roteiro que parecem saídos de cartilhas demagógicas da UNICEF, com direito a uma vaga 'mensagem em favor da paz e dos direitos humanos'? Não? Então você ainda não conheceu a coleção "Os Maiores Super-Heróis do Mundo", os anuais escritos por Paul Dini e desenhados por Alex Ross para a DC Comics.
São todos roteiros acometidos de um puxa-saquismo idolátrico aos figurões da DC, sem pintar nenhum defeito ou falha de caráter. São todos absolutamente irretocáveis e portadores de um senso de caridade cristã, do tipo que faria bonito no palco da Globo ao lado de Renato Aragão pedindo doação para criancinha faminta, resolvendo problemas no varejo e nunca no atacado (não seria mais fácil usar esses super-poderes pra resolver problemas em grande escala, inclusive fome e guerra?).
Dini é um roteirista de televisão, embora também ligado aos quadrinhos, então talvez venha daí a falta de tato para elaborar roteiros mais ambiciosos. A primeira história, do Super, eu já tinha lido há anos e me deixou esse sabor de "HQ demagógica da UNICEF" na boca, a ponto de eu evitar as demais. Hoje tomei coragem de ler as demais e, afinal, o resto vai tudo na mesma toada.
O Capitão Marvel virou um Patch Adams superpoderoso, que vai animar criancinhas com doença terminal em hospitais. E olha que a HQ dele é a mais tragável da série! A da Mulher Maravilha é uma demagogia sobre os 'direitos humanos', tentando posar de isentona, quando ficou meio clara a referência ao conflito da Praça da Paz Celestial em 89 e ao Oriente Médio. Os problemas sobre direitos humanos não podem ser nos EUA, né, Paul Dini? Já a HQ do Batman é uma tentativa rasa de pintá-lo como 'riquinho de bom coração', cuja consciência pesa muito quando sai pra combater o crime e topa com menores de idade nesse mundo cão. Meiguice pura.
Há depois duas HQs sobre a Liga da Justiça. A primeira é só um amontoado de apresentações breves de uns dez mascarados da DC, até úteis se você não conhece todos, mas tendo até a preguiça de repetir alguns quadros desenhados nas HQs anteriores. Já a última, "Liberdade e Justiça", é a única que realmente tentou superar a letargia criativa e fazer um roteiro um pouco mais original, com uma história de fato e não só lambeção de saco dos heróis da casa. Mas a narrativa do 'vírus extraterrestre' é também batida e não convence muito, embora tenha um ou outro bom momento (como a investigação no sistema imunológico do Flash). Mas até ela descamba para a sensação geral de caridade, afinal, o vírus foi atingir justamente a África Central e, claro, nossos bondosos heróis residentes nos EUA (ou nos oceanos) sairão do conforto de seus lares para 'salvar o mundo' e discursar na ONU depois.
Essa tremenda bobagem com verniz de apologia piegas da 'caridade heroica' só não é mais tola e dispensável por um motivo, resumível em três palavras: Nelson Alexander Ross. Sua arte fotográfica realista é sempre um deslumbre, embora aqui um tiquinho menos estonteantemente bela que nas superiores "Marvels" e "Reino do Amanhã". Minha favorita nesse sentido é a da Mulher Maravilha, já que há vários quadros amplos, de protestos em massa ou na ilha onde ela passou a infância, que demandaram mais detalhes do artista. E as quatro histórias que são endereçadas a personagens individuais dessa coleção são todas usando páginas duplas, um prato cheio para Ross.
Pena que é só o belo traço que a coleção tem a oferecer. O resto é demagogia manjada e puxa-saquismo tosco. O Superman podia aproveitar ao ímpeto de fazer discursinho do tipo miss universo desejando 'a paz mundial' e nos livrar também desse tipo de roteiro bobinho e piegas. Mas vai ser difícil, já que muita gente adorou esses anuais e esse tipo de história com a profundidade de um pires, beirando a mensagem de auto-ajuda, periga continuar na nona arte.
E não esqueça: ♫ Ter um amigo, na vida é tão bom ter amigos...
NOTAS:
Super Homem: Paz na Terra - ★ ★
Batman: Guerra ao Crime - ★ ★
Shazam!: Poder da Esperança - ★ ★ ½
Mulher Maravilha: Espírito da Verdade - ★ ★ ½
Liga da Justiça: Origens Secretas - ★ ★
Liga da Justiça: Liberdade e Justiça - ★ ★ ½