Ladyce 02/01/2010
Pequena obra prima
01/02/2009
Foi com ansiedade e saudosismo, que li ontem, de uma só sentada, 24 horas na vida de uma mulher – um dos trabalhos mais conhecidos de Stefan Zweig. Sempre me senti bastante familiarizada com o autor, não porque houvesse lido qualquer de seus trabalhos, mas porque seus livros faziam parte de uma pequena coleção de capa dura e letras pretas, talvez meia dúzia de volumes, que habitaram por muitas décadas as estantes da casa de meus pais. Lembro-me principalmente da vida de Maria Antonieta cujo volume recordo nas mãos de minha mãe, em leitura e re-leituras. E é claro, crescendo aqui no Brasil, quem não se lembraria pelo menos do título do volume Brasil país do futuro, expressão fartamente popularizada na política e peça de despedida do autor austríaco, que refugiado em Petrópolis, suicida-se em 1942 junto com sua segunda esposa. Meus pais eram leitores de Zweig, que admiravam. Mas, por razões desconhecidas, eu nunca o havia lido.
Em 2006, a New York Times Review of Books publicou um artigo, de Joan Acocella, acompanhando a re-edição de Zweig nos EUA, que lembrava aos leitores de hoje sobre a injustiça do esquecimento de Stefan Zweig, um escritor excepcional do início do século XX, cujos contos e romances ficaram conhecidos pelos retratos psicológicos dos personagens. Joan Acocella lembrou também da linguagem precisa do autor, de sua sutileza e gentil narrativa.
A tradução de Lya Luft, nesta edição da LP&M é maravilhosa. Não há nunca a sensação de que a obra foi traduzida. Há uma cadência, uma expressão lingüística que coloca de fato Zweig no meio dos escritores da Europa germânica, eslávica. Sua maneira de escrever, suas preocupações lembraram-me em muito os romances de Sándor Màrai. O estilo e as preocupações dos cidadãos do antigo império austro-húngaro são palpáveis nos trabalhos de ambos escritores.
Acho, no entanto, que pelo menos neste livro 24-horas na vida de uma mulher, dito um dos livros favoritos de Sigmund Freud, o retrato psicológico do jogador obsessivo, talvez mesmo, pela popularidade dos estudos psicológicos através do século XX, perde um pouco do viço, da novidade. A história é previsível. Ligeiramente datada. Mas o estilo, a maneira de escrever — ah! — estes aspectos estilísticos são fenomenais. Chega a ser difícil separar um único trecho, um parágrafo para ilustrar a beleza, a claridade do texto.
“…Nunca no teatro fitei com tamanha atenção o rosto de um ator como olhei aquele semblante, onde, como luz e sombra sobre uma paisagem, ocorria uma incessante alternância de todas as cores e sentimentos. Nunca segui um jogo com tamanha intensidade como no reflexo daquela estranha excitação. Se alguém me observasse nesse instante teria considerado meu olhar fixo como uma hipnose, meu estado se parecia com isso – eu simplesmente não conseguia afastar os olhos daquela expressão facial, e tudo o mais que havia no salão, luzes, rostos, pessoas e olhares, apenas me envolvia sem forma como uma fumaça amarela no meio da qual estava aquele rosto, chama entre chamas. Eu não ouvia nada, nada sentia, não percebia gente ao meu lado, outras mãos que se estendiam de repente como antenas…”
A maneira precisa e envolvente com que Stefan Zweig caracteriza seus personagens, nos faz presa fácil, incapazes que somos, de nos separar de seu estilo mesmerizante. Certamente encontramos no escritor um grande mestre da escrita. E se este pequeno romance é um bom exemplo do resto de sua obra, Zweig é com certeza um escritor que não merece cair no esquecimento.