O resenheiro 07/10/2021
Até que ponto as máquinas serão como nós? Seremos então superados?
Já estamos em uma era em que é possível comprar robôs domésticos para nos auxiliar em pequenas tarefas do dia a dia. Mas será que conseguimos imaginar como seria se este robô fosse dotado de uma inteligência artificial que pudesse aprender constantemente, chegando a nos dar a ilusão de que possui sentimentos, pode se apaixonar, entrar em depressão e até mesmo se suicidar? E se além disso, não soubéssemos diferenciá-lo fisicamente de uma pessoa real, um ser humano de fato?
Adão é este robô, e ele foi comprado por Charlie Friend, o protagonista deste romance, por oitenta e seis mil libras. A cidade onde se passa a história é Londres, início da década de 1980, mas com algumas diferenças criadas pelo autor de forma a se criar uma outra realidade. Por exemplo, os ingleses e não os argentinos foram os que perderam a guerra das Malvinas, o matemático e cientista da computação Alan Turing não morreu em 1954, mas continua vivo e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento da IA de forma a se tornar possível a criação de uma primeira leva de vinte e cinco Adãos e Evas, homens e mulheres artificiais disponíveis para serem adquiridos por alguns milhares de dinheiro.
É nesse contexto que um destes Adãos é ligado na tomada por horas até ser completamente carregado e enfim abrir os olhos pela primeira vez na cozinha de Charlie. Sentado em uma cadeira nasce este robô, ainda sem suas configurações iniciais, preferências e parâmetros que deveriam ser selecionados pelo seu dono para dar o tom de sua personalidade. Seria como seu filho então, e por isso Charlie tem intenções de dividir essa tarefa de configuração com sua vizinha Miranda, com a qual mantêm um relacionamento ainda indefinido no início da narrativa.
"Depois uma série de itens— Capacidade de ser agradável. Extroversão. Abertura a novas experiências. Conscienciosidade. Estabilidade emocional. Eu conhecia aquela lista: o modelo de Cinco Fatores."
"Em matéria de extroversão, havia um conjunto graduado de afirmações infantis. Ele gosta de ser a pessoa mais animada na festa e Ele sabe como divertir as pessoas e guiá- las. Bem para o fim da lista, Ele se sente desconfortável em meio a outras pessoas e Ele prefere sua própria companhia. No meio se lia: Ele gosta de uma boa festa, mas sempre se sente feliz ao voltar para casa. Isso era eu. No entanto, devia replicar- me?"
Logo quando o robô é despertado, sentado e observando Charlie cozinhar, Adão solta uma frase sobre esta amiga Miranda, dando a entender que segundo suas pesquisas e análises, ele deveria ter cuidado com ela, pois parecia existir algo não confiável nela. Seria possível isso? Isso e uma mostra de como seria uma convivência como esta, não de um ser humano auxiliado por robôs, mas com máquinas quase humanas, com ideias, sugestões e até... sentimentos.
“Charlie, entendo que você está cozinhando para sua amiga do andar de cima, Miranda.” Eu não disse nada. “De acordo com minhas pesquisas nestes últimos segundos, e com minha análise, você precisa ter cuidado se pensa em confiar plenamente nela.”
Além de tratar sobre a IA e suas possíveis consequências e interferências nas nossas vidas, em gente como nós, Ian Mc Ewan também conseguiu criar uma história que nos faz refletir sobre outras questões, como a adoção, a aceitação da paternidade, a ações tomadas por figuras políticas da época, como Margaret Thatcher, a justiça tomada na decisão dos fatos ocorridos e relacionados ao passado de Miranda, enfim, uma diversidade de assuntos e temas que deixam a narrativa muito rica e instigante. Durante todo o livro queremos saber qual será o fim desta história entre este clã de seres humanos, sendo que um deles na verdade é uma máquina como eu e você!
Cada vez mais os robôs estão fazendo parte de nossas vidas, e foi aproveitando este tema que Ian McEwan criou este romance com uma maestria invejável. Uma leitura muito pertinente para os dias atuais. Devemos começar a pensar nestes assuntos com mais frequência, pois certamente é isso que nos espera e muito mais em breve do que pensamos!