fabio.ribas.7 26/11/2019
Cristianismo e objetivismo, reflexões
O livro reúne diversos autores que comentam sobre aspectos da vida e obra de Ayn Rand, filósofa, romancista e roteirista que criou a filosofia do Objetivismo. O Objetivismo se coloca como uma filosofia racional contra um mundo irracional. O “mundo irracional em questão” são todas as filosofias subjetivistas, místicas e teorias sociais coletivistas. O ponto central de Rand é resgatar o valor do indivíduo em si mesmo. É uma filosofia da individualidade contra a mentalidade coletivista que hoje permeia nossa cultura.
Logo no primeiro capítulo, conhecemos a vida da escritora. Sua infância e família que viviam debaixo das mudanças e tensões da transição do Czarismo para o comunismo soviético. Ela nasceu em 2 de fevereiro de 1905. Posteriormente, aproveitou uma oportunidade de uma viagem aos Estados Unidos e nunca mais retornou à sua pátria. Chegando à América, Rand foi trabalhar em Hollywood como coadjuvante contratada até conseguir sua primeira oportunidade como roteirista. Autora de diversos filmes e roteiros de sucesso, seus personagens sempre eram apresentados no contexto da luta do indivíduo contra a coletividade coerciva. Em certo momento, principalmente a partir do sucesso “A revolta de Atlas”, Rand viu que precisava criar uma filosofia, ou melhor, uma nova moralidade para que seus personagens e o mundo pelo qual eles lutavam fizesse sentido. Assim, ela passa a desenvolver o Objetivismo.
Nos segundo e terceiro capítulos, somos apresentados ao seu sistema filosófico, destacando o conflito entre o egoísmo racional X o canibalismo moral. Este é toda vez que o indivíduo se vê devorado por um sistema que só se interessa por ele enquanto esse indivíduo se submeta ao grupo, ao bando. Para se defender de uma sociedade irracional e que usa de argumentos místicos e subjetivos para coagir o indivíduo, Rand apresenta o “egoísmo racional”. O indivíduo precisa desenvolver a virtude do egoísmo. Mas, ao contrário do que estamos acostumados, egoísmo não é um “vício”, mas é a luta do indivíduo em buscar a sua própria felicidade, buscar seus próprios interesses contra uma sociedade que quer usá-lo para os interesses dela. Para que o adepto da sua filosofia consiga reagir ao mundo ao seu redor, a autora cria 4 proposições que sustentam seu arcabouço filosófico: realidade, contexto, responsabilidade e esforço.
O Objetivismo é contrário não apenas ao cristianismo e à moral judaico-cristã, mas a qualquer sistema religioso filosófico e místico. Gostaria de destacar o capítulo 4, que faz uma abordagem a partir do Direito para esclarecer a pergunta feita por Rand: “é necessário que a vida em sociedade precise de um pacto?”. É particularmente interessante toda a discussão sobre pacto e o que seja pacto para Rand. O conceito de pacto para ela é uma premissa diferente do que seja pacto na Bíblia, pois ela parte da ideia de que um pacto é sempre entre iguais, mas o pacto na Bíblia não possui essa perspectiva, é antes entre um vencedor e um perdedor. Só isso já mostra o distanciamento e a cosmovisão de Rand contrária ao cristianismo. Ainda assim, há pontos de contato interessantes quando notamos que o cristianismo moderno se afastou de seus conceitos absolutos, conceitos tão defendidos por Rand em nossa sociedade relativista. E uma das lutas do Objetivismo é contra o relativismo e a pós-modernidade.
No capítulo 5, é apresentado o aparato intelectual de Rand contra "os homens cinzas", aqueles que perderam seus valores absolutos e cederam ao relativismo, apresentando uma moral hipócrita. Rand coloca que o culto a essa moral hipócrita tende a servir os calhordas, que são aqueles que silenciam diante de escolhas entre o bem e o mal que deveriam ser tomadas. Não há espaço para uma tomada de decisão clara, os jovens não são mais educados para escolherem entre a verdade e a mentira, entre o certo e o errado, porque em nossa sociedade isso já não existe mais, tudo é cinza. Ensinamos aos jovens uma tolerância, uma adequação, um silêncio que os criminaliza por fim. Esse culto à moral hipócrita, cinzenta, nos leva à estupidez de não pensar! Aqui, somos apresentados ao que Rand chama de “código moral altruísta-coletivista e é a essa moral que Rand se opõe com sua nova moral: o egoísmo racional”. A questão contra uma sociedade embasada no subjetivismo e no irracionalismo, usados para coagir o indivíduo a sustentar parasitas e dependentes, é colocada na razão do indivíduo. Rand não se opõe a que o indivíduo se sacrifique pelo próximo, mas se ele sabe racionalmente o motivo pelo qual está se sacrificando. Isso pode parecer sensato, mas é bom lembrar que nenhum dos argumentos que usamos para nos sacrificarmos pelo próximo será aceito pela filósofa, pois o cristianismo já de antemão é considerado irracional.
No capítulo 6, surge a famosa frase de Rand: "A menor minoria que existe é o indivíduo". A partir daí será apresentado o tema do racismo como um coletivismo cruel e se mostrará que no capitalismo, na liberdade de mercado, é que se conseguiu destituir o racismo. É apresentado o pensamento de Rand sobre direitos coletivos e individuais. Sob as ditaduras e regimes fechados é que mais se alastrou o racismo, enquanto em sociedades como os Estados Unidos o racismo foi enfrentado. O direito individual fundamental é o da preservação da própria vida. O Governo não tem direitos, apenas deveres e a função do governo é tríplice: garantir os direitos individuais, intervir em caso de disputas jurídicas e proteger o país em caso de invasão. Um governo só é legítimo se cumpre o seu papel, no mais, ele está usurpando os direitos individuais. Jamais se pode dar direitos coletivos, pois, necessariamente, você está usurpando os direitos individuais de alguém. Os direitos coletivos sempre são justificados por questões raciais, religiosas, etc e isso retira do indivíduo o seu próprio direito, pois o governo está o colocando submisso a um grupo identificado por questões coletivas. Como diz Rand: “um grupo não pode ter nenhum direito diferente dos seus membros individuais”.
No capítulo 7, vemos o papel da escola no domínio e deformação da criança desde a creche até a faculdade. É mostrado que Rand ataca a educação progressista que é pautada pela produção de mentes medíocres e invejosas. Não há busca pela verdade, pelos fatos, apenas interpretação e submissão ao grupo, ao bando. A escola coíbe quem procura pensar independente e ela, na verdade, vai domesticando a mente para que sejamos controlados pela "opinião pública". É preciso um reavivamento filosófico que traga a verdadeira filosofia de volta, aquela que ensina o aluno a pensar e investigar a realidade para longe da verborragia progressista. A Escola desde cedo (já há as creches progressistas) vão moldando as crianças a se sacrificarem pelo coletivo, a ceder suas coisas ao coleguinha que fez birra ou agrediu, qualquer traço de individualidade, de defesa dos próprios interesses é subjugado. Na Escola o grupo decidirá por ele, “sua capacidade de planejar para seu próprio futuro também é atrofiada”. Rand mostra que a atitude da pedagogia moderna de fazer trabalhos em grupo, ao invés de o professor ensinar é uma estratégia de moldar a criança a sempre decidir pelo grupo, no grupo, para o “bem coletivo”. A criança aprende que não existe autoridade sobre o certo e o errado, pois a palavra do professor vale a mesma coisa que a palavra do aluno. É um sistema da primazia da emoção sobre a razão. E todo aquele que se destaca e sai do grupo é alvo da inveja dos outros. É a onipotência do bando sobre o indivíduo.
No capítulo 8, será abordada a obra "A virtude do egoísmo" e o que, de fato, seria o conceito de egoísmo para Rand. Aqui, se coloca em oposição os conceitos de altruísmo e egoísmo, mas também se trabalha os outros binários de Rand, como racionalidade/irracionalidade e objetividade/capricho. “Prazer” para Rand nunca será algo subjetivo do tipo: "eu faço isso, porque eu gosto" e nem é algo à custa da supressão dos direitos individuais do outro. Prazer, para Rand, é experimentado a partir de 5 áreas que estão interconectadas: trabalho produtivo, relacionamento humano, recreação, arte e sexo. “Prazer” é ser leal ao seu egoísmo racional e este é o caminho do prazer.
No capítulo 9, será discutido, afinal de contas, qual é o papel do Governo para Rand. Aqui,é esclarecido que Rand não advoga que o indivíduo viva isolado e avesso à sociedade, até porque as conquistas em sociedade sempre foram maiores do que as realizadas individualmente. É preciso que o individuo, o homem ideal, busque duas coisas em sociedade: conhecimento e comércio. E, neste ponto, se manifesta o papel do Governo: 1) garantir os direitos individuais (a preservação da vida é o mais básico) e 2) fazer o acordo jurídico entre as partes conflitantes. Para o primeiro, o Estado deve usar de força física, caso necessário, mas é preciso que haja leis claras que regulamentem essa função do Estado, em outras palavras, "em uma sociedade livre, é necessário que ela controle o seu governo, não o contrário".
No capítulo 10, será tratado sobre a identidade coletiva e a necessidade de rejeição a isso. A pergunta a que se responde é se Rand seria contra o indivíduo se sacrificar pelo próximo. E a resposta é que Rand vê que o sacrifício pelo outro é um ato moral louvável, desde que o indivíduo possa decidir racional e objetivamente por isso. O que parece ser a melhor escolha, mas, para o cristão, observado por Rand, a escolha cristã pelo sacrifício ao outro nunca será uma escolha racional e objetiva, pois o cristianismo, assim como toda e qualquer religião ou subjetivismo são irracionais. Daí a definição do que seja para Rand uma sociedade escravocrata: "toda aquela que se obedeça a um sistema de regras e dogmas metafísicos superiores à própria soberania intelectual". Então, 3 são os inimigos do Objetivismo: 1) o misticismo, a teoria social e o individualismo falsificado (subjetivista). E no fim deste artigo é tratada a questão se é possível uma "comunidade independente". Sim, desde que ela garanta os direitos individuais de seus membros.
O capítulo 11 trará mais um ensaio sobre o Objetivismo e suas principais ideias. Aqui se discutirá também sobre a questão do assistencialismo, do igualitarismo (justiça social). A isso, Rand opõe o princípio do comerciante, onde todos deveriam ganhar com todos, pois o outro pode oferecer serviços dos quais eu necessito. Neste ensaio, o autor esclarece: “Precisamos, primeiramente, defender a liberdade, o princípio do comerciante, o voluntarismo, a cooperação e a caridade, em contraposição ao sacrifício, ao altruísmo e à intimidação”. A divisão do trabalho, portanto, é a maneira melhor de relacionamento humano. Daí, Rand irá ser uma das maiores defensoras do Capitalismo, embora ela concorde que ainda não vivemos sob ele, mas é um sistema do futuro.
Por fim, o último capítulo é uma apresentação do legado a partir das obras de Ayn Rand.
Como cristãos, precisamos entender que a cosmovisão de Rand é ateísta, portanto, suas premissas serão opostas às do Cristianismo. Contudo, ainda assim, muitas de suas ideias vão ao encontro do que também precisamos defender nos dias de hoje: 1) os direitos individuais não podem ser usurpados em nome de direitos coletivos; 2) o Governo precisa de uma Constituição que o limite (o que não é o caso da Constituição brasileira); 3) a Escola que ensina precisa ser defendida contra um modelo educacional alienante e subserviente; 4) o indivíduo, principalmente o cristão, não pode ser coagido ao sacrifício e ao altruísmo. Este último ponto vem ao encontro do Evangelho, quando descobrimos a liberdade que nos foi conquistada por Cristo. Daí não poder intimidar emocionalmente o nosso irmão, sob quaisquer alegações que sejam, para que ele se sacrifique pelo mundo.
Atentos sempre aos canibais morais que querem nos usar sob a desculpa de “expansão do Reino de Deus”, “difusão do Evangelho”, “justiça social” e, na verdade, as razões escondidas por trás de tamanha “espiritualidade” são a busca pelo poder, a expansão de domínio denominacional e a glória de homens. Em tempos de uma Igreja Evangélica Brasileira muito dominada pela primazia das emoções, é preciso retornar com o Ensino da Palavra e orar que o Espírito Santo nos leve ao uso da mente de Cristo (I Cor 2:16) da melhor maneira possível, uma razão capaz de se perguntar o porquê fazemos o que fazemos e perceber as verdadeiras motivações do outro e dos grupos que nos pressionam.
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