Carol 30/04/2023Impressões da CarolLivro: O amigo {2018}
Autora: Sigrid Nunez {EUA, 1951-}
Tradução: Carla Fortino
Editora: Instante
216p.
"Você tem que perceber que não pode esperar consolar-se da sua dor com a escrita". Qual a probabilidade de um livro, que traz por epígrafe um dito de Natalia Ginzburg, ser ruim? Nenhuma!
Demorei a dar uma chance a esta leitura, pois sou traumatizada com livros que têm cachorros na capa. E olha que se eu torcer minha estante, está arriscado saírem lágrimas, sangue e gritos. Mas traço meu limite com bichinhos sofrendo.
"O Amigo", felizmente, não é dessas histórias que apelam a sentimentalismos bobos. É uma história rica, repleta de discussões urgentes, com uma escrita tão perspicaz, que mesmo temas complexos como o luto, o envelhecimento, os dilemas éticos - que se impõem a quem trabalha com as letras - são tratados de forma agradável.
O romance é escrito como uma longa carta da narradora, uma autora e professora de escrita criativa, a seu amigo de uma vida inteira, ele também escritor e professor, que acabou de se suicidar.
A escrita é sua forma de lidar com esta ausência e tentar racionalizar o ato praticado por este amigo, que ainda lhe reservou uma surpresa: a incumbência de cuidar de um dogue alemão idoso, ele, também, sofrendo pela perda do dono.
Sigrid Nunez nos brinda com vários causos de escritores e artistas refletindo sobre a morte, a amizade, o ofício da escrita, o relacionamento entre humanos e bichinhos, o luto, os traumas, a literatura, tudo muito bem amarrado nessa longa carta/ensaio da protagonista.
Cheguei até a pesquisar se o romance não teria um quê de biográfico, de tão críveis os personagens. Mas, pelo visto, não. É apenas a boa ficção, com tudo o que ela nos tem a oferecer. E boa ficção contemporânea, frise-se.
Das leituras mais legais e leves, dos últimos tempos (pensem em minha estante sangrenta). Finalmente um livro que posso indicar sem ressalvas.
"Também gosto desta frase (embora eu não consiga lembrar quem a disse): O que me impede de me tornar um misantropo completo é ver quanto os cães amam os homens." p. 83