Maria Ferreira / @impressoesdemaria 08/10/2019A guerra é às drogas mesmo?Este livro é resultado da pesquisa de mestrado em Serviço Social de Daniela Ferrugem, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 2017, publicado pela Editorial Letramento em 2019.
A pesquisa é dividida em cinco capítulos, sendo que no segundo a pesquisadora aborda a questão das substâncias, das pessoas e as relações estabelecidas entre as duas, fazendo uma retomada histórica do uso de drogas ao longo do tempo e as modificações pelas quais as drogas passaram no que diz respeito aos seus usos. O terceiro capítulo discute o proibicionismo das drogas no Brasil e o quarto faz uma análise de documentos, revisão da literatura sobre o assunto e traz dados estatísticos, discutindo principalmente a criação da Lei de Drogas, em 2006.
“Uma política repressiva que consome recursos financeiros e que não reduz a oferta nem a demanda por drogas. A cada apreensão e incineração de drogas pela polícia torna-se mais visível o desequilíbrio entre repressão, produção e comércio” (p.51).
Para começar, Daniela Ferrugem faz uma pergunta instigante: “Quando decretamos guerra e as combatemos, são às substâncias que decretamos guerra?” (p.22). Essa pergunta será respondida ao longo da pesquisa e uma das respostas a que se chega é que não é uma guerra às drogas de fato, é uma guerra aos negros e pobres, porque há uma criminalização de quem faz uso e não da substâncias químicas em si, uma vez que se a pessoa for branca de classe média será taxada de usuária, enquanto se for negra e pobre, será vista como traficante. Ou seja, a guerras às drogas é uma forma de criminalização da pobreza e uma forma de genocídio da população negra.
Pesquisas como estas, que mobilizam e reúnem informações, contribuindo com o debate, são muito importantes para que a discussão seja ampliada e ocupe espaços acadêmicos, fazendo com que o senso comum reveja suas opiniões.
“Se não for superada a hierarquia racial, fundante na sociedade brasileira, não há como se buscar a superação da desigualdade social. Há que ser ultrapassada a dicotomia raça e classe, a classe não abarca integralmente a raça. Raça e classe são complementares, indispensáveis para se pensar as políticas públicas e a sociedade brasileira” (p.20).
Além disso, pensar a questão das drogas sob uma perspectiva racializada faz toda diferença, uma vez que é este grupo diretamente atingido pelas políticas de combate às drogas. Ao tomar raça e classe como categorias de análise, esta pesquisa encara a questão das drogas sob uma ótica interseccional e apesar de não ter como objetivo analisar a forma como o gênero tem influência, a pesquisadora também traz dados sobre o papel das mulheres nesta questão, principalmente no diz respeito ao aumento da população carcerária feminina.
Assim, esta pesquisa nos direciona para não pensarmos o uso das drogas por uma lente moral, taxando quem usa como dependente químico e nos fazendo atentar ao contexto de uso, que é determinante na relação que o usuário estabelece com a droga, porque enquanto a questão as drogas for discutida somente pelo viés da patologia, pouco se poderá avançar no debate. Por isso também, a pesquisadora opta pelo uso do termo “substâncias psicoativas” ao invés de “drogas”, que traz em si uma valoração negativa.
“Os blindados e tanques chegaram hoje onde as políticas de saúde, educação, lazer, saneamento básico, mobilidade urbana, emprego e renda não chegaram nos últimos 40 anos” (p.100).
Leitura mais do que indicada para quem quer entender mais sobre o assunto, esteja já inserido no debate ou começando agora. Também indico que assistam ao vídeo Cracolância, Guerra às drogas e Genocídio negro, do canal Afros e Afins, da Nátaly Neri, que é bastante complementar ao assunto tratado neste livro.
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https://www.impressoesdemaria.com.br/2019/07/guerra-as-drogas-e-manutencao-da.html