spoiler visualizarDeskvice 01/02/2023
Detalhista
Gosto do jeito que ela detalha tudo, com suas palavras vulgares e ao mesmo tempo tão graciosas.
Não gosto de todos os contos.
Mas gosto de como em todos os contos ela consegue fazer coisas tão simples serem tão belos.
Amei a poesia da galinha, mas fiquei muito triste com ela também, que fim trágico teve a galinha.
Marcações que gostei da leitura.
"Ela se lembrava com um sorriso constrangido. Voltara tão completamente: agora todos os dias ela se cansava, todos os dias seu rosto decaía ao entardecer, e a noite então tinha a sua antiga finalidade, não era apenas a perfeita noite estrelada. E tudo se completava harmonioso. E, como para todo o mundo, cada dia a fatigava; como todo o mundo, hu- mana e perecível. Não mais aquela perfeição, não mais aquela juventude. Não mais aquela coisa que um dia se alas- trara clara, como um câncer, a sua alma."
"Mas com as rosas desembrulhadas na mão ela Não as depunha no jarro, não chamava Maria. Ela sabia por esperava. quê. Porque devia dá-las. Oh ela sabia por quê. E também porque uma coisa bonita era para se dar ou pará se receber, não apenas para se ter. E, sobretudo, nunca para se "ser". Sobretudo nunca se deveria ser a coisa bonita. A uma coisa bonita faltava o gesto de dar. Nunca se devia fi- car com uma coisa bonita, assim, como que guardada den- tro
"As s vezes, tocado pela tua acuidade, eu conseguia ver em ti a tua própria angústia. Não a angústia de ser cão que era a tua única forma possível. Mas a angústia de existir de um modo tão perfeito que se tornava uma alegria insupor- tável: davas então um pulo e vinhas lamber meu rosto com amor inteiramente dado e certo perigo de ódio como se fos- se eu quem, pela amizade, te houvesse revelado. Agora es- tou bem certo de que não fui eu quem teve um cão. Foste tu que tiveste uma pessoa."
"Há tantas formas de ser culpado e de perder-se para sempre e de se trair e de não se enfrentar. Eu escolhi a de ferir um cão, pensou o homem. "Porque eu sabia que esse seria um crime menor e que ninguém vai para o Inferno por abandonar um cão que confiou num homem. Porque eu sabia que esse crime não era punível."
Sentado na chapada, sua cabeça matemática estava fria e inteligente. Só agora ele parecia compreender, em toda sua gélida plenitude, que fizera com o cão algo realmente impune e para sempre. Pois ainda não haviam inventado castigo para os grandes crimes disfarçados e para as profun- das traições.
Um homem ainda conseguia ser mais esperto que o Juízo Final. Este crime ninguém o condenava. Nem a Igre- ja. "Todos são meus cúmplices, José. Eu teria que bater de porta em porta e mendigar que me acusassem e me punis- sem: todos me bateriam a porta com uma cara de repente endurecida. Este crime ninguém me condena. Nem tu, Jo- sé, me condenarias. Pois bastaria, esta pessoa poderosa que sou, escolher de te chamar - e, do teu abandono nas ruas, num pulo me lamberias a face com alegria e perdão. Eu te daria a outra face a beijar."