Coruja 21/09/2011Por diversas vezes tive de interromper a leitura desse livro com a cabeça girando, demorando-me uma meia hora em esquemas mentais para conseguir interpretar todas as referências e simbolismos que se entrecruzavam nas mais de setecentas páginas do romance.
Não é um livro fácil, eu confesso. Por vezes, os tantos volteios que Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna, rei no sertão e narrador do livro - que se trata de sua defesa para os crimes atribuídos a si e sua família - se tornavam um pouco cansativos, especialmente pelo peso da linguagem, bastante regional. Mas ao chegar ao final dessa história de "enigma, ódio, calúnia, amor, batalhas, sensualidade e morte!", eu estava prestes a ricochetar nas paredes de tão entusiasmada que estava.
A história narrada por Quaderna, misto de vaqueiro nordestino e Dom Quixote (o cavaleiro da Mancha esteve em minha mente por toda a obra), é inspirada num episódio real ocorrido em 1838 no município de São José do Belmonte (eu conheço, é pertinho de Mirandiba, onde fica a casa da minha avó).
Tudo começou com uns profetas ao estilo Antônio Conselheiro pregando ali por Floresta o retorno de Dom Sebastião, rei português desaparecido na África, supostamente encantado, ecoando as lendas do Rei Arthur inglês. De acordo com as pregações o rei retornaria para estabelecer um novo governo de paz e justiça uma vez que toda a Pedra do Reino - uma formação rochosa que lembra duas torres juntas - fosse devidamente banhada em sangue.
*comentário sem noção da Lulu: só neste último parágrafo há dois títulos da trilogia do Senhor dos Anéis..*
Assim, para desencantar Dom Sebastião, o povo, liderado pelo profeta e auto-coroado rei João Ferreira (de quem o personagem Quaderna descende) forma uma sociedade com inspiração feudal (até a história da primeira noite da esposa com o rei antes de ela ser do esposo tinha...), fundamentada na idéia de sacrifício humano - e estima-se que mais de cinqüenta pessoas, na maioria crianças, foram degoladas sobre a Pedra do Reino para melhor pintá-la de vermelho.
No final das contas, eles acabaram se encontrando cum uma patrulha, que acabou de massacrar os devotos, os quais continuavam a esperar o retorno do rei, seguido dos degolados em toda a sua glória.
É engraçado que as três obras que li para o tema do Desafio Literário 2011 desse mês têm em comum a linguagem vívida, bem carcaterística da região, misturadas - especialmente em Freyre e Suassuna, com um eruditismo que impressiona, sem ser, contudo, pedante.
Estes dois autores, em especial, despertaram curiosidade e nostalgia, porque sua ação se passava em locais que conheço, alguns dos quais importantes para mim. Sei como são os sobrados assombrados de São José, sei o que é caminhar na caatinga cerrada com o sol cozinhando seus miolos enquanto a paisagem seca de repente dá lugar a um verde luxuriante e a forma como essas leituras se somaram às minhas experiências pessoais as tornou ainda mais interessantes para mim.
Não sei se era bem esse o objetivo do pessoal do DL ao estabelecer a leitura de autores regionais, mas eu gostaria de agradecer a eles pela oportunidade que acabaram me dando com ela.
Agora... rumo à próxima etapa! Estamos já quase no final do desafio!
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)