Jefferson Sarmento 04/12/2010
"Clapton is God"
Sou um fã incondicional de Eric Clapton. Dos discos de blues e dos mais voltados para o pop, escondidos com a etiqueta de Rhythm and blues para não desagradar aos puristas.
Eu descobri o blues quando estava na faculdade, embora já tivesse esbarrado com ele e gostasse da sonoridade como de poucos outros gêneros. No segundo grau até ouvia um ou outro, mas um adolescente dos anos 1980 fatidicamente estaria mais concentrado no rock nacional e no colorido do pop mundial. Eu também amava os Beatles e os Rolling Stones, mas entender de onde aquela música vinha era uma evolução a que eu só me atreveria depois dos 17. E nem posso dizer que foi amor à primeira vista, porque foi uns anos depois que me apaixonei de fato pela crueza da música do Mississippi.
Cursando Comunicação Social, tinha esse meu colega que vivia dedilhando velhos blues e falando de John Lee Hooker e Muddy Waters. E acabei entrando naquela onda, começando a curtir Bo Didley, Janis, Jimi Hendrix... Até que um dia ouvi o disco acústico de Eric Clapton. Claro que eu já tinha ouvido várias músicas do velho Mãos Lentas, mas em minha defesa, preciso dizer que tinha ouvido o que as rádios tocavam: o pop para vender disco de Pretending, Wonderful Tonight (linda!), I Can’t Stand It... Sabia que uma das músicas que eu mais gostava de ouvir também era dele; Layla, minha preferida de todos os tempos, mas que também não era um blues.
O diabo foi que, quando comecei a ouvir aquelas músicas com arranjo de violão... rapaz, eu enlouqueci. E de lá para cá (lá se vão uns trinta e tantos anos) eu não consegui me desvencilhar do blues. E foi com essa febre eterna, ainda queimando em meus quarenta e tantos de idade, que comprei o livro com a autobiografia de Eric Clapton.
Deparei-me com um senhor de uma simplicidade e sinceridade chocantes. O texto é direto e as referências culturais são tantas que é praticamente impossível fechar sem dar uma lida (só mais um pouquinho) no próximo parágrafo.
Filho de um aviador canadense que desapareceu depois de engravidar sua mãe, criado pelos avós como se fossem seus pais, adolescente rebelde com as mentiras da família, amante da música negra americana que chegava na Inglaterra através de navios que contrabandeavam os sons do Mississippi, do Texas, da Louisiana... ouvindo as músicas nas rádios piratas que funcionavam na faixa de mar além da costa, para evitar a fiscalização e prisão pelo homens da rainha!
Eric Clapton fala de amor (por Pattie Boyd, esposa de seu grande amigo George Harrison, guitarrista dos Beatles), de drogas, alcoolismo, brigas... Declara sem pudores que estragou quase tudo o que se envolveu quando estava chapado e delirante. Desfez-se de amizades sinceras, brigou com pessoas que queriam ajudá-lo, deu declarações racistas ao defender que a Inglaterra precisava parar de receber imigrantes – espacialmente negros, traiu, esnobou, esbanjou... perdeu um filho numa morte trágica, perdeu o amor de Pattie, viu amigos morrerem dos mesmos vícios que tinha... E então decidiu trilhar outro caminho.
Quando gravou o disco acústico em 1986, o que vimos foi um músico renascido de seus pecados, algo contido e (dá a impressão de) envergonhado. Em seu livro ele revela que não sabe como as pessoas gostavam de sua música, porque quando finalmente decidiu ficar limpo e sóbrio, foi que pode se ouvir com clareza e perceber que... bem... achou que era uma droga tocando aquela guitarra.
Ainda bem que tentou redimir para si mesmo essa impressão.
Recomendo como recomendaria um show seu como imperdível.
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