@raissa.reads 23/04/2024
“No dia seguinte ninguém morreu”
Em "As Intermitências da Morte", temos uma distopia na qual o autor imagina um país onde a morte parou de trabalhar. Isso ocorre de um dia para o outro e, inicialmente, as pessoas consideram isso uma boa notícia. No entanto, gradualmente, percebemos que isso se torna um problema. O autor retrata essa situação de maneira bastante realista, onde ninguém mais morre, inclusive pessoas em estado terminal em hospitais, idosos e crianças com doenças terríveis. Os acidentes horríveis também não resultam em morte. Saramago logo nos mostra que os hospitais estão superlotados, há uma crise tremenda no mercado funerário e filósofos se reúnem para discutir o mundo sem morte, enquanto a igreja é obrigada a repensar suas crenças. Para as pessoas que vivem nesse país onde a morte não existe, a vida se torna uma incógnita.
No meio de tudo isso, conhecemos uma família com um idoso em estado terminal e uma criança que nasceu sem expectativa de vida, e durante essa pausa da morte, eles não falecem. Um dia, o pai da família tenta atravessar a fronteira com eles para ver se eles morrem. Quando atravessam, os dois morrem. Ao retornarem, os vizinhos sentem falta daqueles que partiram e perguntam o que aconteceu, e eles explicam. Isso levanta a questão se o que fizeram foi assassinato. Saramago, pragmático em suas questões, nos apresenta diversas visões diferentes do que veríamos em um livro sobre imortalidade, tornando a história muito reflexiva sobre o assunto. Começa então uma discussão moral e ética sobre a ação da família, mas no meio disso, descobrem pela televisão que muitas pessoas no país estão fazendo o mesmo. Nesse momento, o estado de não-morte se torna um problema governamental e internacional.
Além disso, há a questão da religião. As pessoas param de frequentar a igreja cristã, pois essas religiões têm como base a ressurreição e, se não há morte, não há ressurreição. É necessária uma nova reforma.
O livro acompanha a bola de neve da imortalidade até que a morte retorna, anunciando em rede nacional. Nesse momento, a história começa a ficar cômica.
A "dona morte" (com letra minúscula, uma morte cotidiana, com a qual o ser humano lida diariamente, não sendo a Morte com letra maiúscula, que não é muito explicada) avisa que no dia seguinte as pessoas começariam a morrer e que agora teria um novo método de aviso, enviando cartas para as pessoas que iriam morrer, para avisarem seus parentes, pagarem impostos e empréstimos e se despedirem.
Um livro que começa pesado, nos fazendo pensar como a gente lida com a morte. um assunto tão delicado que não queremos pensar, que o ser humano já não lida muito bem, com a perda física da pessoa. Depois dessa reflexão densa, de todos os desdobramentos da imortalidade, chegamos a esse alivio comico da morte.
O texto de Saramago é característico, com parágrafos longos e sem pontuação, com diálogos inseridos no meio do texto. É algo a que se acostuma durante a leitura.
O ponto chave deste livro é como a sociedade lida com a morte e como a morte lida com as pessoas que ela precisa levar.
Embora seja um livro denso, com menos de 200 páginas, possui um bom humor, o que contrasta com outros livros mais famosos de Saramago. "Viagem de um Elefante", que li no ano passado, também me fez rir bastante e é bom intercalar esses livros dele com outros. Este é um bom livro para começar a ler as obras do autor, pois é mais leve (dentro do possível).