Felipe Lima 24/08/2015Nada Mais Humano Que a Própria morteA cada livro que leio de Saramago mais surpreso e impressionado fico. Comprova-se claramente que sua fama é merecida, mesmo tendo alguns obstáculos (forma de escrita modernista e o idioma pt-pt) ainda sim, estes não conseguem ofuscar o brilho hipnotizante da obra do autor. "As Intermitências da Morte" trabalha sobre a figura da morte que assombra a todos os seres humanos. À medida em que Saramago humaniza a morte, ele também começa a desconstruir os temores humanos que a cercam, demonstrando que tememos ao que vem post-mortem e não a morte em si.
Extremamente sagaz e sutil, o autor lusitano consegue construir sua trama baseando-se numa antiga pergunta: "O que aconteceria se um dia nos livrássemos da morte?". A resposta mostra-se bastante crível quando o escritor passa por várias instituições humanas (como o Governo, a Igreja e a Famila) apontando como aquilo que o homem mais deseja, poderia levar a sociedade em que vive a uma situação de colapso. Depois de um breve momento de euforia, os homens percebem que a morte é uma parte vital do nosso ciclo de existência e que sem a mesma a vida torna-se quase impossível.
Num segundo momento do livro, após desconstruir o homem e sua relação com a morte, chega a vez da própria morte ser desconstruída pelo autor. Saramago consegue com maestria, dar feições tão humanas a morte (às vezes mais humanas que as das personagens humanas do livro) que é muito fácil para o leitor simpatizar com a ceifadora. Como todos a morte aos poucos sente, descobre e vivência sentimentos que são de características humanas (vaidade, culpa, pena), chegando ao seu clímax ao reconhecer-se de fato humana, quando a mesma se descobre falível. Até mesmo o violoncelista, que só tem destaque nos últimos 4 capítulos, consegue ter uma profundidade que nos cativa. Conhecê-lo por si e pelos olhos da morte nos dá uma chance de criar um carinho pela personagem que para alguns autores é difícil construir em poucas páginas. Encantado e satisfeito eu chego ao fim do livro, refletindo sobre as inúmeras questões postas pelo escritor as vezes de forma sutil, ora de forma irônica e outra de forma totalmente clara. Só mesmo Saramago para me fazer ler um capítulo inteiro e me fazer sentir diversas coisas: eu começava me divertindo no capítulo, no meio achava que o mesmo estava ficando maçante e quando chegava no final e eu tinha a ideia completa de onde o autor queria chegar eu pensava "Meu Deus... Isso é genial!"