Drighi 29/07/2021
Saramago foi um escritor que fez parte da minha grade de estudos na faculdade, mas por conta da "fama" que o autor tinha não me atrevi ler nenhuma de suas obras. No entanto, por conta do grupo de discussão literária que faço parte em minha cidade, As Intermitências da Morte foi escolhida pelo voto coletivo e senti-me, de certa forma, obrigado a ler.
Confesso que essa foi uma das obrigações mais prazerosas que já tive. Digo mais, num momento oportuno para ler sobre a morte quando ela bate às nossas portas todos os dias. José faz uma crítica às dois pilares da sociedade: religião, estado. Ele aborda de uma forma crítica a morte e como a ausência dela é a instauração de caos para as esferas citadas.
Percebe-se no decorrer da obra tanto o riso irônico quanto a comicidade como instrumentos de crítica mordaz a instituições sociais, políticas e religiosas do mundo contemporâneo. Exemplar, nesse sentido, é o diálogo entre o primeiro-ministro e o cardeal, o qual se dá
no início do relato, logo que se difunde a percepção de que ninguém mais morre no
país; eles conversam, por telefone, sobre as situações complicadas do Estado e da Igreja ante a ausência da morte.
Uma obra necessária e que recomendo a todos leitores. Termino, minha resenha, com o trecho a seguir:
“Houve uma nova pausa, que o primeiro- -ministro interrompeu, Estou quase a
chegar a casa, eminência, mas, se me dá licença, ainda gostaria de lhe pôr uma
breve questão, Diga, Que irá fazer a igreja se nunca mais ninguém morrer, Nunca mais é demasiado tempo, mesmo tratando-se da morte, senhor primeiro-ministro, Creio que não me respondeu, eminência, Devolvo-lhe a pergunta, que vai fazer o estado se nunca mais ninguém morrer, O estado tentará sobreviver, ainda que eu muito duvide de que o venha a conseguir, mas a igreja, A igreja, senhor primeiro-ministro, habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar outras, Ainda que a realidade as contradiga, Desde o princípio que nós não temos feito outra cousa que contradizer a realidade, e aqui estamos, Que irá dizer o papa, Se eu o fosse, perdoe-me deus a estulta vaidade de pensar-me tal, mandaria pôr imediatamente em circulação uma nova tese, a
da morte adiada, Sem mais explicações, À igreja nunca se lhe pediu que explicasse
fosse o que fosse, a nossa outra especialidade, além da balística, tem sido neutralizar, pela fé, o espírito curioso, Boas noites, eminência, até amanhã, Se deus quiser, senhor primeiro ministro, sempre se deus quiser, Tal como estão as cousas
neste momento, não parece que ele o possa evitar".