Gustota 05/03/2017Hit the road, JackKarl Marx tem uma frase célebre no 18 de Brumário de Luís Bonaparte onde ele diz que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como sátira. É impossível ler esse livro e não visualizar inúmeros tipos que conhecemos de nossa vidinha universitária, na boemia noturna, nas casas de shows, nos espaços de arte urbana da cidade que são exatamente sátiras do Sal Paradise, do Dean Moriarty ou do Carlo Marx.
Porém são tipos estereotipados, os atuais hipsters. A vida pseudo-artística, a sana por viagens e experimentalismo nas drogas, a infiltração cultural nos movimentos culturais de gueto, o polimorismo e relações abertas. Quando lemos On the Road, temos a inevitável sensação de que estamos diante das figuras fundadoras dessa brincadeira.
São filhotes dos baby boomers, uma geração do pós-guerra que viveu o início do American Way of Life. A família nuclear, a classe-média, os lares suburbanos o início da televisão e do entretenimento de massa. Por estar à margem disso que jovens buscaram uma nova forma de viver. On The Road é uma espécie de testamento dessa geração. Seu herói é um jovem bem apessoado e marginal, com terrível fome de viver e que alegra e destrói tudo e todos a seu redor. Neal Moriarty é um Peter Pan se aventurando por uma América de criminosos, músicos de jazz, mulheres deliciosas com disposição para o perigo, artistas viciados e decadentes.
Sal Paradise, o alter-ego de Kerouac, cruza a Costa leste à Oeste e depois vai para o México. Sua principal motivação nas viagens é estar onde está Moriarty e outros boêmios loucos. Paradise, quando está sozinho, tende a ser um tipo melancólico, que olha com cinismo para a América e suas promessas. Sempre que está só em suas aventuras, se mete em empregos detestáveis, rotinas enfadonhas e relacionamentos infelizes. Ele constantemente se culpa disso e não tem controle sobre como isso acontece.
Quando está com Moriarty, entretanto, a vida é uma festa, a aventura infindável e o dinheiro simplesmente brota ao menor convite para a ação. Somente assim é possível compreender como Sal Paradise defende com tantas unhas e dentes o amigo a despeito da tonelada de merda que ele vai deixando em seu caminho.
A narrativa não pára, como se alguém tivesse sentado com você no bar e saísse contando a história da vida dele das sete da noite até às sete da manha do dia seguinte. A tradução do Eduardo "Peninha" Bueno é excelente e trabalho "de fã para fã". Se você está buscando um livro pra inspirar seu mochilão, essa não é nem de longe a melhor pedida. Não que não dê vontade de sair por aí viajando durante a leitura, mas não é esse o espírito. Trata-se da desesperada necessidade dos excluídos de se entenderem a partir da experiência de explorar o país, sempre em busca de um lugar melhor, mas nunca querendo ficar.
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