Cabelo 03/08/2010
Zorba, o Grego
Posted by Cabelo on May 11th, 2010 filed in dia do leitor
Dois homens e uma amizade. Um vive e escreve o seu próprio destino, o outro luta para não se deixar empurrar pelo próprio destino. Entre eles: a liberdade. Estas duas experiências muito bem exploradas pelo autor permeiam todo o livro, que retrata uma jornada de dicotômicas almas que se encontram e se separam durante a vida.
Zorba, o Grego é a obra mais conhecida de Nikos Kazantzakis e data de 1942, quando a Grécia lutava contra a ocupação nazista. Georges Zorba era um operário que o escritor conhecera ao acaso e com quem, em 1917, tentara explorar uma mina de carvão. Após 25 anos, a convite do mesmo, repetiu a experiência, que foi curta e desastrosa, mas inesquecível, sobretudo devido à personalidade de seu companheiro Zorba. Ele era a encarnação do homem livre, do autêntico aventureiro, amante da vida intensa, de espírito límpido e isento de preconceitos, inspirando a personagem Alexis Zorba, o grego.
Este livro, sem dúvida, carrega alguns traços autobiográficos observados na caracterização do patrão, narrador personagem, o “mastigador de papel”, e o próprio Alexis Zorba, na medida em que representam uma relação de ego e alterego da personalidade do autor. O patrão polido e ponderado, apesar de toda a bagagem cultural adquirida nos livros, passa a aprender e se inspirar nas lições de Zorba, o qual assimilou e interpretou as próprias experiências de vida sempre norteadas pelo impulso.
A partir disso constrói-se uma bela e consistente amizade, muito embora ambos configurem-se quase opostos. Em comum fica evidente nas personagens o aspecto do machismo, tanto no autocontrole das emoções por parte do narrador, que reprime seus sentimentos, quanto na concepção de mulher tida por Zorba. Ilustra-se o exasperado machismo na explicação de Tio Anagnosti, influente cidadão da aldeia cretense onde se passa a história, a respeito de seu nato problema de audição: “E isso não é nada - disse ele - pois ela podia ter me feito cego ou débil mental, ou corcunda, ou então - que Deus me guarde - ela podia ter me feito mulher. A surdez não é nada, e eu me prosterno diante das graças da Virgem Santíssima!”
Em busca de novo ambiente, paisagens e explicações para sua busca interior, Kazantzakis passou quase toda sua vida em constantes peregrinações, assim como a sua personagem Zorba. Em 1923 na Alemanha, realizou uma excursão pelos lugares freqüentados por Nietzsche, cujo livro Assim Falou Zaratustra acabara de ler e que exerceu profunda influência sobre seu espírito. Na mesma época, em Berlim, conviveu com intelectuais ligados ao marxismo e passou a abraçar a idéia do socialismo, marcando sua vida. Em Zorba, o Grego nota-se a veia socialista do autor em uma oração do narrador, por exemplo: “E eu fazia projetos românticos - se a extração de linhita caminhasse bem - de organizar uma comunidade onde todos trabalharíamos, onde tudo seria comum, onde comeríamos todos a mesma comida e vestiríamos a mesma roupa, como irmãos. Criava dentro de mim uma nova ordem religiosa, gente de uma nova vida…”
Sua vasta obra, que retrata em parte as condições de vida da população grega, bem como a angústia do destino de sua própria vida, está permeada ora de misticismo, ora de forte realismo, acompanhada também de acentuado pessimismo. Em Antibes, pequeno porto da França, ao lado da segunda esposa, companheira inseparável, escreveu diversos romances, além do seu poema Odisséia, em 33.333 versos, que constitui um relato épico da inquieta trajetória de sua vida. Publicou ainda ensaios filosóficos, tragédias, livros de viagem e outros poemas. Kazantzakis notabilizou-se também por numerosas traduções para o grego de clássicos da literatura ocidental como a Divina Comédia de Dante Alighieri e Fausto de Goethe.
O escritor nasceu na ilha grega de Creta em 1883 e testemunhou desde pequeno situações de violência, opressão e injustiças no ambiente familiar e fora dele, que marcaram profundamente sua vida. Em casa, o próprio pai era extremamente autoritário, embora corajoso defensor da liberdade de seu povo contra a dominação turca. Fora do ambiente familiar, a violência e a contradição manifestaram-se, primeiro em Creta, devido à miséria do povo e a luta pela libertação da Ilha, só conseguida em 1897. Depois, em 1912 eclodiu a Primeira Guerra Balcânica, que opôs a Bulgária, a Sérvia e a Grécia à Turquia, na qual Nikos Kazantzakis participou como voluntário. Além disso, trabalhou como correspondente para um jornal de Atenas na Guerra Civil Espanhola (1936-39), e na Segunda Guerra Mundial engajou-se na resistência grega contra a ocupação nazista.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, foi convidado a participar do governo de seu país, na pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ocupou o cargo por pouco tempo e preferiu voltar à atividade literária. Instalou-se em Antibes, onde se entregou de imediato a uma intensa produção literária, sua fase mais produtiva. Em 1957, apesar da leucemia e dos 74 anos, Nikos decidiu empreender nova peregrinação ao Extremo Oriente, em companhia da esposa. Porém, no dia 26 de outubro, faleceu em Freiburg, na Alemanha, e seu corpo sepultado em Creta.
Nikos Kazantzakis é tido como o mais importante escritor e filósofo grego do século XX. Contribui para seu reconhecimento a adaptação para o cinema da novela Zorba, o Grego com grande atuação de Anthony Quinn – filme recebeu três estatuetas do Oscar em 1965.
http://literaturacotidiana.com.br/?p=3244
Paulo Cabelo Laubé