Os Inocentes

Os Inocentes Hermann Broch




Resenhas - Os Inocentes


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Ronaldo.Ruiz 26/04/2021

Grande Clássico
As sinopses que se encontram na orelha e na contracapa da edição da Rocco (1988) do romance “Os Inocentes”, do escritor austríaco Hermann Broch, podem ser enganosas. Não quero dizer que o que está escrito ali esteja errado. Porém, o livro não se resume a um único enredo e a apenas uma ideia, como esses textos dão a entender. Pelo contrário. É possível fazer inúmeras reflexões a partir da leitura desta grande obra.

O romance é multiplot, ou seja, existem várias tramas envolvendo diversos personagens. Eles são apresentados em contos que, a princípio, parecem ser totalmente independentes, colocados aleatoriamente. No entanto, as histórias dessas pessoas vão acabar se cruzando ao longo da narrativa.

Aliás, todos os enredos são muito bem amarrados. Nada colocado em uma cena ou descrição é gratuito. Se o leitor for perspicaz e atento aos mínimos detalhes, será alegremente recompensado pelo autor. Sugiro que você faça anotações enquanto vai lendo o livro. Vale muito a pena, pois, ao voltar a elas, você irá perceber como tudo se encaixa.

PERSONAGENS
A. (ou Andreas) é um dos protagonistas do romance. Ele é uma pessoa que não gosta de tomar decisões e, consequentemente, ter responsabilidades. Prefere ser levado pelo destino e ter uma vida amena. Foi assim que conseguiu ganhar muito dinheiro como negociante de pedras preciosas na África do Sul.

Enquanto Hitler ascendia na Alemanha, A. ganhava dinheiro. Enquanto os bolcheviques chegavam ao poder na Rússia, A. ganhava dinheiro. Porém, por sua causa, algo terrível acontece a uma moça humilde e doce. Apesar de não ter intenção de fazer mal à garota e tentar não pensar mais no que houve, um dia, o tribunal de sua consciência irá cobrar um preço alto pela sua indiferença.

Outra personagem importante é Zerline, que é criada da baronesa W. e de sua filha bastarda Hildegard. Ela nutre um ódio mortal pelas duas. Invejosa e perversa, Zerline conhece muitos segredos sórdidos dessa família alemã tradicional. Sua raiva pela baronesa irá até as últimas consequências.

Já o professor titular Zacharias representa o espírito político da Alemanha no entre guerras. Embora pertença ao partido socialdemocrata, suas ideias estão sendo distorcidas por um nacionalismo e conservadorismo exagerados. Com seus filhos e alunos, Zacharias é muito autoritário. Mas o leitor vai descobrir logo que, pelo menos em sua casa, ele é o típico oprimido que deseja ser opressor.

MODERNISTA
Como um bom escritor modernista, Hermann Broch desafia a forma como o romance é escrito. O livro é dividido em três partes: Pré-Histórias, Histórias e Pós-Histórias. Cada uma dessas partes é iniciada por um poema de versos brancos e livres chamado Vozes.

Porém, não existe experimentalismos de vanguarda na linguagem da obra. O texto é bastante claro e muitas vezes poético, embora as frases e os parágrafos sejam grandes e exijam um certo fôlego do leitor.

Existem algumas digressões no meio da narrativa. Elas são curtas e estão de alguma forma ligadas ao personagem que conduz a cena. Porém, não são cansativas como as digressões costumam ser. A maioria são reflexões profundamente filosóficas a respeito de metafísica, sobre o tempo, o espaço e o ser, que nos retiram do senso comum e, em outras palavras, fazem nossa cabeça explodir.

IDEIAS
As ideias que são debatidas no romance após mais de 70 anos ainda são atuais. Uma delas é o problema que a indiferença ao autoritarismo pode causar. Todos os personagens do livro são “inocentes” no sentido de não terem envolvimento direto com o nazismo. Entretanto, essa postura “isentona” de muitos alemães na época permitiu os horrores praticados por Hitler e seus seguidores.

Outra ideia muito presente no livro é a capacidade do ser humano, mesmo após várias gerações, de praticar atrocidades contra o próximo. É possível também perceber o choque entre o passado – símbolo de orgulho para muitos – e a modernidade na cidadezinha alemã onde se passa a narrativa, bem como o clima do entre guerras, com paranoia e inflação crescentes.

site: https://marcenarialiteraria.art.blog/2021/04/26/resenha-8-os-inocentes-de-hermann-broch/
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Fabio Shiva 14/09/2010

Dificilmente temos a oportunidade de ler um livro como esse.
“Os Inocentes” é uma obra rara, ousada, incrivelmente ampla em sua proposta, revolucionária em sua forma.

Um “romance” (o próprio autor hesita em qualificar o livro assim) composto de contos e poemas escritos ao longo de quase quarenta anos... uma obra complexa e vertiginosa!

Fiquei sem fôlego ao terminar de ler o livro. Na verdade, ao ler o posfácio do autor, onde ele explica a proposta de “Os Inocentes”, percebi que eu estava tão concentrado na leitura que cheguei a prender a respiração!

Não é um livro fácil, nem de longe. Exige do leitor bem mais que um livro comum. Mas ao final, a sensação é de doce vitória, tal a que experimentamos após galgar uma montanha ou superar um grande desafio.

Só para raros!


Hermann Broch é considerado um dos maiores escritores modernistas. Contemporâneo e amigo de James Joyce, compartilhou com ele a ambição de reinventar o romance.

Hoje essa discussão toda tem um sabor muito especial, pois já se vão décadas desde a suposta “morte do romance”. “Os Inocentes” mesmo foi publicado em sua versão final em 1950 (começou a ser escrito em 1913). Então é um debate já antigo, uma reflexão fora de seu contexto, uma filosofia deslocada no tempo. Ainda assim, que viagem, meus camaradas!!!

Depois que acabei de ler, o livro continuou se mexendo, vivo, dentro de minha mente!


Uma narrativa em várias e várias camadas. A trama central é maligna e genial em sua malvadeza. Cobrindo esse fio condutor, muito lirismo, muita filosofia, muito pensamento de cabeção. Pois não há dúvida de que Hermann Broch é um cabeção!!!

Não consigo contar nada sobre a história em si do livro. Sinto que seria uma traição à grandeza do todo me concentrar em uma pequena parte. Os editores é que não tem esses escrúpulos e colocaram tanto na orelha quanto na contracapa, de forma ostensiva, revelações que o autor prefere deixar o leitor adivinhar, e que mesmo assim só ocorrem no final do livro! Começo a suspeitar que o editor padrão nutre um profundo desprezo pela inteligência do leitor... e também pela integridade artística do livro.

Agradeço à querida Cyntia pela oportunidade de ler esse livro!!!

Que não é nem a obra-prima de Broch... consideram como tal “A Morte de Virgílio”, obra que foi capaz de deixar Aldous Huxley de boca aberta... imaginem!!!

Só para loucos!!!

(14.09.10)

“Relato da Origem do Romance”

Quis guardar esses trechos do posfácio, que aqui compartilho:

“A forma do romance – mesmo que se trate de obras de consumo fabricadas sem nenhuma ambição artística – modificou-se consideravelmente ao longo dos últimos anos. Como toda a arte, o romance também deve apresentar uma visão total do mundo, e particularmente a totalidade das vidas de seus personagens. Esta é uma exigência cada vez mais difícil de realizar num mundo que se torna a cada dia mais dividido e complexo. (...) A Ciência, por sua vez, não pode oferecer totalidades. Deve entregar esta tarefa à Arte, e com isso, também ao romance. Dessa maneira, o aspecto integral, exigido da Arte, adquiriu um caráter radical antes inimaginável, e para satisfazer essa exigência, o romance precisa de uma multiplicidade de planos, para cuja elaboração certamente não basta a velha técnica naturalista. Deve-se representar o homem na sua totalidade, com toda a gama de suas experiências vividas, desde as físicas e sentimentais até as morais e metafísicas. Assim se apela imediatamente ao lirismo, já que só ele é capaz de proporcionar a indispensável exatidão.”

“Que adianta então servirmo-nos da forma de um romance, para fazermos com que essa raça de burguesotes enfrente sua imagem no espelho? Só para obtermos uma satisfação artística? Só para demonstrarmos que num mundo de terror e de carnificina abstrata nenhuma tradição tem consistência, e que o romance tampouco pode se contentar com os recursos do passado? Para mostrarmos que o tratamento naturalista, ao qual o romance apegou-se muito mais do que as outras artes, necessita agora de uma complementação – possivelmente abstrata –, por mais concreta e honesta que seja sua índole? (...) A resposta já foi dada com monumental pertinência por Joyce. Na sua obra, ele comprovou que um mundo ultracomplexo só pode ser apresentado de modo aproximadamente total mediante o emprego de recursos pluridimensionais, além de especiais construções e abreviaturas de símbolos. Mas será que o pequeno-burguês – supondo que ele leia romances – se reconheceria num espelho artístico fabricado segundo esses princípios? Percebe ele o que significa Bloom? O pequeno-burguês nem sequer se identifica na mais simples caricatura. Pois, fazendo questão de nada ver do que se encontra sob a mais tênue superfície, tampouco o vislumbra. Para que serve então tal romance?

A pergunta toca um dos mais essenciais problemas da Arte, seu problema social. A quem ela deseja colocar diante do espelho? Que resultado espera obter com isso? Um despertar? Uma elevação? Nenhuma obra de arte jamais conseguiu ‘converter’ alguém, para que realizasse qualquer coisa.(...) O escritor consegue apenas expressar suas convicções, mas o abalo que delas provém restringe-se aos domínios estéticos. Elas só convencem quem antes já as tinha. Para o público, não tem nenhuma importância que um herói se imole no palco em prol desta ou daquela crença religiosa. Interessa-lhe apenas o acontecimento dramático do martírio em si. (...) Mas, mesmo que a obra de arte seja incapaz de obter uma conversão (...), ainda pertence ao processo catártico. A obra de arte pode ilustrá-lo. O Fausto, de Goethe, é o exemplo clássico. Mediante tal faculdade de apresentação do processo e – o que é ainda mais importante –, por seu poder de transmissão da catarse, a Arte atinge um significado social que atinge os domínios do metafísico.”

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