Henrique 25/04/2014
Me surpreendi ao ler as quatro novelas que compõem esse livro. Eis um trecho de uma delas, Dorgeville: " Ó vós que ledes esta história, possa ela vos convencer da obrigação que todos nós temos de respeitar os deveres sagrados, cuja perda torna-se insuportável quando deles nos desviamos. Se contidos pelo remorso que se faz sentir na quebra do primeiro freio, tivéssemos a força de nos determos ali, jamais os direitos da virtude se destruiriam totalmente; mas nossa fraqueza nos conduz à perdição, conselhos terríveis corrompem, exemplos perigosos pervertem, todos os perigos parecem dissipar-se, e o véu só se rasga quando a espada da justiça vem enfim deter o curso dos acontecimentos."
Pois o autor desse trecho é o mesmo desse aqui: "Ah, renuncia às virtudes, Eugénie! Haverá algum sacrifício feito a essa falsas divindades que valha um só minuto dos prazeres que sentimos ultrajando-as? Ora, a virtude não passa de uma quimera cujo culto consiste em imolações perpétuas, em inúmeras revoltas contra as inspirações do temperamento." Sim, é o Marquês de Sade.
Não sei se ficaram surpresos como eu fiquei ao ler o trecho do primeiro parágrafo: Sade defendendo o amor, a virtude, a religião, falando em Deus! Logo Sade, individualista, ateu convicto e libertino declarado! O autor de Filosofia na Alcova e 120 dias de Sodoma! Pois sim, é ele mesmo. Em Os Crimes de Amor, Sade defende o amor e a virtude. Nesse livro não lemos nenhum palavrão, nenhuma descrição do ato sexual, nenhum sarcasmo ou ironia; vemos muito romantismo e nenhum erotismo. É um Sade totalmente diferente. Tão diferente que nem caberia nesse blog, mas resolvi postar a resenha desse livro aqui para compartilhar essa curiosidade, esse outro lado desse grande escritor erótico.
Em Os Crimes de Amor, como o próprio nome diz, nos são apresentadas alguns crimes, entre eles assassinatos, mas são todos eles condenados. Há tragédias, inclusive com mortes, mas todas em razão do amor. Algo bem estranho a um autor que costuma defender a crueldade e tece discursos não só incentivando, mas também justificando o crime. A especialista na obra de Sade, Eliane Robert Moraes, argumenta que, nesse livro, vemos outra face de Sade, a do escritor e não a do filósofo. Aqui ele está mais preocupado em exercer sua literatura do que compartilhar sua filosofia.
Mesmo fugindo de suas características, Sade nos apresenta um bom livro, com boas histórias e personagens interessantes. Além da qualidade das trama, outra coisa não mudou: sua ótima e inconfundível prosa. Aí vai uma avaliação rápida das quatro novelas que compõem o livro.
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