Camille.Pezzino 11/11/2017
O HERÓI DE TODOS OS TEMPOS: AS VERDADES-SOMBRAS DO SONHAR
Entre todas as frases extremamente elaboradas que eu poderia escolher para tentar - o que sempre será uma tentativa - definir The Sandman, ou como é conhecido no Brasil, somente Sandman, se tivesse de ser minha, seria: Mil em um. Essa narrativa abarca tudo, quase que literalmente, e isso tudo em apenas uma história: a história dos sonhos.
Muitas pessoas utilizam a frase central e o slogan dado pela editora, frase retirada do poema "O Enterro dos Mortos", do poeta T.S. Elliot, para tentar dar sentido a essa totalidade imensurável.
"Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó"
Contudo, contrariando todas as pessoas que, acredito eu, tentaram em uma árdua tarefa falar sobre Sandman, tenho talvez uma proposta inusitada, pois com Sandman e Neil Gaiman sempre será um talvez. Na minha humilde perspectiva, a frase que serviria para definir sua história seria:
"As coisas não precisam ter acontecido para serem verdadeiras. Contos e sonhos são verdades-sombras que vão perdurar quando os reles fatos não forem mais do que pó e cinzas esquecidas."
Mas por que eu digo que essa frase seria capaz de definir Sandman muito melhor do que a do poeta T.S. Elliot? Primeiro, porque como diria Eduardo Lourenço, "não há melhor pessoa que Fernando Pessoa para definir a si mesmo" e, entre tudo que é crível e maravilhoso na literatura canônica, não há nada melhor do que o próprio poeta ou escritor para definir sua obra. Como meu segundo argumento - e isso deve contrariar muitos leitores de Sandman -, em nenhum momento eu senti medo. Ou talvez eu tenha sentido, porém, o fascínio cresceu tanto que o medo se tornou diminuto para mim e, nesse aspecto, encontramos algo valioso em Sandman.
O que caracteriza uma divindade senão a dualidade entre medo e fascínio? Nós tememos Deus, como diria Nietzsche; os homens são crentes e devotos não pelo amor, mas pelo medo do castigo - essa é a ideia retirada da frase célebre "Deus está morto". Por outro aspecto e lado, também somos levados a fascinar e a sonhar com essas divindades e sua grandiosidade, porque elas são imensas e nos tiram do chão e também porque elas são o que está entre o chão e nós: os deuses são os nossos pilares de sustento para acreditar no real ou na verdade, independentemente do tempo em que estejamos vivendo.
O meu terceiro argumento é que nós vivemos entre verdade, conto e sonho: os três se misturam tanto em Sandman quanto na nossa própria realidade. O que as histórias contam para você? Todas as que você pode beber ao ponto de saborear uma nova vida? Todas as histórias contam uma verdade que vive na sombra da mente dos autores. Ao mesmo tempo, após a leitura, ela também vive na mente do leitor - e o influencia. Nós somos influenciados por histórias, como, por exemplo, no passado, os grandes reis foram influenciados pela figura do rei Arthur. É nessa miscigenação entre verdade, mito e sonho que vivemos e continuaremos vivendo, como Sandman continua a viver agora e viverá amanhã. Toda narrativa conta a verdade-sombra e nós precisamos nos agarrar a ela quando desejarmos, como fazemos com os sonhos. Como podemos fazer e devemos fazer com Sandman.
Embora eu tenha muitos outros pontos para corroborar porque essa frase define, em minha opinião, Sandman - e talvez a nós mesmos e nossa história -, beberei agora, junto de você, do meu último argumento: todas as narrativas são pontos de vista, nada além de pontos em que alguém fala e o outro enxerga alguma coisa. Essas narrativas geradoras de pontos de vistas podem ser ou não ser além do que foi demonstrado, o mesmo com a própria história e a realidade dos fatos.
O fato é distorcido e, de tão distorcido, o fato que é a verdade - se é que existe uma - se torna apagado na imensidão dos ideais. Sandman é sonho, não porque seu protagonista é o próprio Sonho, mas porque nos faz sonhar com a verdade - a intrínseca e a múltipla - tal como tem a sua função primordial, exatamente igual aos mitos. O que eu quero dizer, com essa frase, é que Sandman é tão mítico e verdadeiro quanto a Ilíada, quanto a Odisseia ou a Eneida, além disso, é a verdade-sombra que prospera e é primordial como os mitos, não ler Sandman é perder um pouco do mítico que há dentro de você e você nunca foi capaz de enxergar.
Não somente de metáforas a questão mítica se faz presente na narrativa, os deuses realmente aparecem, como os anjos, os demônios e os perpétuos. Você conhece os deuses, os anjos, os demônios e os personagens - se é um leitor ávido de histórias de super-heróis ou um assíduo conhecer do cinema contemporâneo - sobre-humanos e super-humanos que aparecem nos quadrinhos da DC Comics, mas e os perpétuos? Personagens incrivelmente bem elaborados por Neil Gaiman, eles são aqueles que existiram antes dos deuses e morrerão - não da forma que conhecemos a morte -quando o último dos homens padecer.
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