Roberto Soares 01/03/2021Para Ítalo Calvino, o clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Bem, Goethe nunca terminou de dizer que a paixão é tormenta e ímpeto. A obra que deu início ao Romantismo alemão deu abertura também a uma nova forma de sentir amor: a romântica, de paixões abrasadas baseadas no devaneio e na ilusão, repletas de obstáculos e que, de modo geral, conduzem a um fim trágico. “Os Sofrimentos do Jovem Werther” irá, como o próprio título diz, nos narrar os sofrimentos de um jovem frente a uma devastadora desilusão amorosa para com Carlota, uma mulher comprometida. Cada vez mais devotado, impulsivo e rejeitado, esse amor irá se converter em dor e desespero, provocando a morte do apaixonado. Porém essa paixão de Werther já é concebida como sendo de natureza mortífera, beirando a loucura, e de um excesso pulsional impossível de ser satisfeito (impossível de uma forma questionável, pois terminei a leitura acreditando que uma reciprocidade por parte de Carlota, a certa altura, não era de todo inconcebível). Mas sou da opinião de que essa paixão não é por Carlota, e sim pelo IDEAL de Carlota. O Ideal se liga ao objeto, e o resultado é uma construção imaginária frágil, que vacila diante de qualquer desencontro. Essa paixão o leva a tentativas de tamponar o vazio estrutural com ideais que, quanto mais difíceis de serem realizados, mais ferozes são, e para os quais não há apaziguamento. Ou há? Werther se decide pelo caminho que, ao lado do álcool e do ópio, está entre as mais desejadas das fugas românticas: o suicídio. Amor e morte se conjugam em íntima relação para os românticos, e o morrer surge como um modo elegante de se disfarçar os desapontamentos a que todo amor está condenado, além de garantir a imortalidade de uma paixão que já tem a pretensão de ser divina e durar eternamente. Para dar força a esse enredo profundo, Goethe não desperdiça uma única linha. É incrível! Cada página, cada frase, parece ter sido criada criteriosamente para contextualizar o caráter e os sentimentos de Werther, para que, ao chegarmos ao final da história, nos pegarmos dizendo: “É, eu esperava por isso.” Como essa espera será vivenciada, para isso é impossível de se preparar. Hoje, quase 250 anos após a publicação do livro, em que o sentimentalismo tóxico e o egoísmo imperam nas formas de se construir relações (isso quando elas são construídas), Goethe joga na nossa cara que nenhum ser humano está livre de ter que se colocar como objeto. Nesse momento, seria o jovem Werther capaz de mexer com o jovem moderno?