spoiler visualizarRegis 08/05/2023
Imposição, fanatismo e uma escrita primorosa...
O livro conta a história de Eugênio e Margarida que se amam desde a infância, e que são privados desse amor por conta da obsessão desmedida dos pais do rapaz.
O Seminarista... o que dizer desse livro onde um pai e uma mãe fanáticos ajudados por um padre também fanático se unem para destruir duas vidas?
O amor puro e inocente de Eugênio e Margarida não tem a mínima chance diante de tão ardilosos ditadores que se preocupam apenas com suas próprias vontades.
A Senhora Antunes (na obra ela não tem nome próprio, é conhecida apenas por ser esposa de alguém) é fanática e supersticiosa, colocou na cabeça que Margarida é como a serpente do Éden, o próprio demônio tentando seu filho. Já Francisco Antunes é orgulhoso, preocupado apenas com as boas aparência e com o prestígio que ter um filho padre poderia trazer ao nome de sua família. Ele enclausura o garoto, desde os doze anos, em um seminário alegando que a fé e devoção que ele demonstra ao rezar é um chamado divino.
Enquanto no seminário a obsessão cega e exacerbada do padre mestre, ao repreender Eugênio por escrever versos para Margarida, transforma o jovem garoto de complacente, comunicativo e alegre em retraído, melancólico, desconfiado e sorumbático; o padre chega a dizer que a amizade de infância era senão o demônio que tomava a figura da menina para perturbar-lhe o espírito e afastá-lo de sua santa vocação arrastando-o para o caminho da condenação eterna.
Essas deploráveis ações sobre um espírito novo e exaltado acessível a todas as alucinações reduziu Eugênio a quase um autômato.
Margarida coitada, é o tempo todo tratada pelos pais de Eugênio, que também são seus padrinhos, como a cobra vil e venenosa que veio ao mundo apenas para tentar e desvirtuar seu filho do caminho de Deus. Uma garota inocente, carinhosa e dedicada a sua mãe Umbelina é completamente reduzida a um obstáculo incômodo do qual é necessário se livrar a qualquer custo.
É lastimável o que fizeram com essas pobres almas, antes iluminadas e felizes.
Os pais de Eugênio e o padre mestre tramam, mentem, ameaçam, abusam de sua autoridade e fazem o mal apenas para encerrar a alma do rapaz em uma vocação que o mesmo não vivencia e só é desejada pelos fanáticos opressores.
Eugênio afirma e reafirma várias vezes que não deseja se tornar padre, mas o eclesiástico se faz de surdo ignorando sua vontade afirmando que o rapaz será uma ótima aquisição para a igreja.
No início do livro, na chegada de Eugênio ao seminário, o padre mestre dizia que não agiria como os jesuítas, impondo a religião goela abaixo de quem tivesse a desventura de atravessar seu caminho, para logo depois fazer exatamente isso de forma vil e contraditória com o que deveria pregar a doutrina.
O livro é narrado em terceira pessoa, e gosto da forma como o narrador se intromete em alguns momentos para comentar os fatos com o leitor em primeira pessoa e em seguida voltar a observar de fora.
A escrita do autor, que eu já conhecia de Escrava Isaura, continua primorosa. Sua prosa romântica regionalista é cativante ao apresentar os costumes e cotidiano da vida na fazenda e exaltar a paisagem rural de forma poética, só isso já eleva a leitura dado que o autor escreve sublimemente.
Esse é um romance trágico escrito no século XIX com uma crítica mordaz ao patriarcalismo e ao celibato religioso. Apesar de todos os acontecimentos odiosos e das fatalidades que acometem esse pobre casal, é uma boa leitura com um enredo que causa contraditórias emoções/reflexões no leitor. Recomendo.