Barbara.Raulino
01/07/2020Afetos Vorazes"Afetos ferozes" é o livro de memórias de Vivian Gornik e tem como fio condutor sua relação com a mãe. Mas ele é mais do que isso. É também sobre a relação entre mulheres e sobre o que se pode fazer para além daquilo que nos atravessa enquanto filhas. É sobre as violências tanto exercidas quanto sofridas por mulheres - no público e no privado. É uma escrita bastante corajosa e honesta sobre as relações e suas complexidades.
A história é contada durante as caminhadas que mãe e filhas fazem juntas pela cidade de Nova York, onde moram, durante três anos. Quando começa, a narradora tem 45 anos, e sua mãe, 77. Quando termina, ela tem 48, e sua mãe, 80. Nesses passeios elas conversam, se provocam, brigam e lembram histórias do passado. A trama vai e vem entre as caminhadas e as lembranças da vida da autora, desde a infância em um prédio de imigrantes no Bronx até chegar ao ponto onde começa o livro. Achei muito bonito elas irem repassando a relação durante as caminhadas como uma analogia pra dar conta dessa caminhada exaustiva que pode ser se separar do outro.
Sabemos que tornar-se mulher é uma construção que se sustenta a partir da relação que temos com as nossas mães e que vai se amparando na relação com outras mulheres e se construindo também nas demais relações. Nas memórias de Vivian fica evidente a tensão que se impõe entre aquilo que ela evita repetir e aquilo que ela não consegue escapar e que respinga como um “afeto feroz” em direção à mãe e vice-versa.
É difícil não se identificar em alguma medida através dessas memórias e pra mim, foi quase como se essa leitura pudesse ajudar a preencher certas lacunas da minha história a partir de outra história que não a minha – sendo esse um dos efeitos que um bom encontro literário pode proporcionar.