Marcela 24/01/2021
Romance previsível com locação diferente e uma capa linda
Embora eu já tenha lido vários romances de época ao longo dos últimos anos ? inclusive, de autoras nacionais ?, Coração Indomável foi o primeiro da minha lista que de fato se passava no Brasil* (à exceção de Carina Rissi, mas convenhamos que a série Perdida tem dois pézinhos na fantasia, já que envolve uma mocinha contemporânea que, por acaso, viaja no tempo através de um celular e vai parar numa versão "bonitinha" do século XIX onde nem sequer havia escravidão). E, indo mais além: no período colonial dos 1600 e tantos.
Confesso que, à primeira vista, me causou um pouquinho de estranheza porque, diferente da maioria dos romances de época que se passam em meio à localidades tão longínquas e costumes tão diferentes dos nossos, esse tem o cheirinho de casa, então, é muito mais fácil de apontar detalhes que podem não condizer com a realidade (como o modo de falar mais informal, por exemplo). Então, após uns 5 capítulos observando certas possíveis incongruências, decidi fazer o mesmo que faço com os demais romances de época que leio: encarar como uma ficção com liberdade criativa da autora. A partir daí, minha percepção ficou mais favorável ao desenvolvimento da história.
Os capítulos são curtos, o que faz a narrativa se desenrolar de forma bem fluida. A escrita da autora tem seus altos e baixos: ela consegue prender o leitor e atiçar sua curiosidade através do enredo ? que possui elementos interessantes e um ritmo ágil ?, contudo, peca em alguns detalhes de sintaxe como a colocação pronominal e o uso adequado de vírgulas. Nada grave, mas me fez refletir sobre o quanto uma boa equipe de revisão/edição faria a diferença, elevando a qualidade geral do texto. Sobre os personagens, não tenho muito o que dizer. Não os achei insuportáveis, mas também não cheguei a me apegar a eles (os coadjuvantes, para mim, foram mais interessantes. Confesso que estou especialmente curiosa quanto ao desenvolvimento da história da Maria Antônia). Achei meio questionáveis algumas justificativas de atitudes ? mas tudo bem, já que é entendível o desejo de independência da protagonista ? e a enrolação do casal quando já tinha a faca e o queijo na mão.
De pontos positivos na trama, gostei de ver que a autora não tentou maquiar as atrocidades que os portugueses fizeram nessa época. Embora os protagonistas sejam um casal branco ? ela, uma órfã portuguesa; ele, um desbravador independente que largou a bandeira por se incomodar com o modus operandi dos "colegas de profissão" ? e tenham suas visões de mundo diferentes, ambos questionam a imposição de seus costumes sobre os nativos e são contra a escravidão dos povos. Também foi interessante ver um romance de época fugindo dos padrões e se desenvolvendo em meio à mata, à simplicidade de condições e ao desbravamento do desconhecido, longe da civilização, dos bailes da alta sociedade e do luxo... o que me lembrou um pouco a atmosfera de Outlander (muito embora Coração Indomável não tenha a mesma crueza visceral que está presente na saga da Diana Gabaldon).
De forma geral, apesar da narrativa do primeiro volume da série "Mulheres do Brasil" não ser exatamente perfeita (e possivelmente abrir espaço para alguns debates que não estão no meu local de fala), eu diria que vale a pena conferir a escrita da Sheila Guedes, principalmente por ser uma autora independente nacional que buscou inovar no segmento. E vale citar que descobrimos ao fim do livro, que, além de escritora, a Sheila é professora de história e nordestina ? por sinal, eu iria achar bem interessante ler um romance de época fugindo do eixo sul/sudeste e se desenrolando pelas bandas de cá do país. O nordeste tem muita história rica para contar e muito lugar massa para sevir como locação também.
PS. & fica a dica: se você não gosta de spoiler e pretende ler os demais volumes da série, não leia o epílogo deste.