Matheus P. 21/07/2012
Lindsay no escuro
O enredo dessa história, em miúdos, gira em torno da vida de Dexter cada vez mais de ponta a cabeça. No primeiro e segundo livro encontramos um serial killer treinado para direcionar suas necessidades para assassinos como ele e vivendo sempre nas sombras, discretamente, muito centrado e à um passo na frente de todos (com diversos 'pressentimentos' que elucidavam os crimes para a irmã Deborah e outros). Contudo, somos apresentados à um personagem em conflito. Como se não bastasse ter que guiar Cody e Astor no "caminho de Harry" e se preocupar com vários caprichos para o casamento com Rita, estabelecidos não só por ela, mas também por Vince; Dexter perde sua voz interior. O Dark Passenger some, ao mesmo tempo em que Dexter passa a ser perseguido por um "Watcher" (observador), que, por sua vez, é responsável por uma série de crimes numa universidade em Miami, chocando a cidade. As vítimas são queimadas, postas de braço aberto, com as cabeças cortadas. E, no lugar das cabeças, é colocada uma cabeça de touro de cerâmica.
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Queria poder dizer que esse foi um livro excelente, por ser fã de Dexter, mas, infelizmente, Lindsay acaba por estragar o livro a partir da metade dele, quando apela para um lado mítico e sobrenatural, na própria tentativa de explicar o personagem e o Dark Passenger. Sempre considerei que este fosse algo metafórico, figurado. Sim, uma figura que por vezes se confundia com o próprio Dexter, como se fossem um só, resultado de um evento traumático e tudo, então, era sustentado em uma base psicológica. Lindsay transforma-o em algo literal, tirando toda a essência, a realidade da história (apesar da estranha premissa inicial - um serial killer que mata serial killers - o universo de Dexter fora bem construído e fazia perfeito sentido). Infelizmente, deuses e figuras bíblicas mitológicas são tragas à história, somos recepcionados com narrações que acompanhavam o nascimento da Humanidade logo nas primeiras páginas. Vemos, desapontados, como a cada capítulo Dexter e seu Dark Passenger são diminuídos. Não foram poucas as vezes que me perguntei onde Lindsay estava com a cabeça quando mudou a direção e o estilo da história totalmente. Uma mudança brusca que desagradou muitos leitores.
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Outra coisa que me incomoda, mas poucas pessoas comentam sobre, é a forma com que, do nada, Cody e Astor se transformam em serial killers, crianças com sede de sangue. Bizarro. A fraca explicação se baseia em: "o pai era violento, batia na mãe e os dois assistiam". Muito, muito pouco convincente, ao contrário de Dexter, que, como sabemos, ficou dias banhado pelo sangue da própria mãe, assassinada cruelmente em sua frente, num container, junto do irmão.
Fechado a lista de partes ruins, outra coisa que me desagradou foi o clímax de somente cinco páginas. Um final muito ruim e corrido. "Watcher" passa, no fim de cada capítulo, prometendo-nos que a hora chegará, criando altas expectativas que, mais tarde, se transformam em decepção para o leitor.
O livro não é totalmente ruim, porém. Apesar da desagradável mudança de história, temos uma escrita que flui muito bem. Tirando a infeliz ideia de envolver deuses místicos em tudo, Lindsay melhorou muito em sua escrita. As interações de Dexter estão cada vez mais engraçadas, recheadas de muito sarcasmo. Dexter visita um centro de uma ceita religiosa e discute com a recepcionista. Em outro momento, interroga, junto de Deborah, um nervoso suspeito a respeito das mortes na faculdade. E, além disso, faz algumas visitas para um careiro fornecedor de bufê, à contragosto, pressionado por Vince e a noiva.
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Mais interessante que isso, apesar de cada vez mais, ao decorrer do livro, se entrelaçar com o "sobrenatural", é ver Dexter ser acuado, cada vez mais, e sem ajuda do Dark Passenger. Enquanto "Watcher" está sempre um passo a frente, Dexter se encontra totalmente perdido, se defendendo um desentupidor de vaso. Sim, literalmente. E, dessa forma, o livro passa rapidamente.
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Por fim, digo que, infelizmente, Lindsay arruinou muito do excelente trabalho que havia feito nos dois primeiros livros, ao se desviar para a terra da magia e deixarem os leitores atônitos. A única explicação possível é não ter conhecimento de onde levar a história. Sim, Lindsay é quem estava no escuro. É um livro muito difícil de engolir para quem se interessou pelos anteriores, pois vai contra tudo que valorizamos. Então, é o seguinte: há pouco desenvolvimento dos personagens nesse livro. O único que mesmo se desenvolve, aparentemente, é Dexter, lidando com sensações que nunca antes experimentara. Porém, acaba por se transformar em algo que desagrada todos. Lindsay rouba muito do que tornava esse personagem tão interessante. E esse aspecto não volta no quarto livro, no qual, felizmente, Moloch e as letras aramaicas são deixadas onde deviam estar. É um aspecto que, portanto, pode ser ignorado. Se ainda não leu o terceiro livro, faça um favor à você mesmo: pule-o, pois, além de não conter elementos futuramente citados, ele não trás grandes avanços na série, e, na verdade, estraga-a, quebrando o mistério e o jeito racional que fez de Dexter uma leitura tão boa no começo.