Paulo Silas 20/07/2018Em "Tempos Líquidos", Bauman elenca a insegurança como o grande mote que conduz a obra. O medo é um fator presente principalmente nas grandes cidades, de modo que, dado o constante fluxo de globalização, tem-se a liquidez que se observa nos tempos atuais como um fenômeno decorrente desse processo, a saber, o choque das identidades locais com os poderes globais, fazendo com que os aspectos locais da cidade se percam. Disso que se advém a insegurança generalizada, fenômeno esse que é analisado e trabalhado no livro em suas pouco mais de cem páginas.
Dividido em cinco capítulos, o livro traz as reflexões do autor sobre a insegurança presente nas grandes cidades, expondo os fatores determinantes para esse fenômeno.
"A vida líquido-moderna e seus medos", capítulo inaugural da obra, trata das pressões da globalização para que toda e qualquer barreira de identidades locais seja quebrada. Nada mais acontece isoladamente em algum lugar do mundo, pois o planeta deve estar aberto para a livre circulação de tudo. A insegurança e o medo que disso resultam na formalização do capital do medo em que lucram aqueles que se propõem a a fornecer a segurança pessoal através do discurso "lei e ordem", acarretando num círculo vicioso exposto por Bauman.
O segundo capítulo, "A humanidade em movimento", traz uma fala de Rosa Luxemburgo contextualizada para a atualidade, salientando alguns fatores que levam a submissão à pressão global para que haja toda e qualquer abertura de territórios. A figura dos refugiados passa a ser analisada nesse capítulo pelo autor.
"Estado, democracia, e a administração dos medos", terceiro capítulo, trata de como se desencadeia a insegurança moderna, que é apontada pelo autor como sendo da suspeita com relação a outros seres humanos e suas intenções, uma vez que não há mais espaço para a confiança no companheirismo humano dada a ausência de disposição para uma relação duradoura e confiável. Cabendo ao Estado administrar o medo, isso passa a ser um discurso a ser sustentado e trabalhado para determinados fins, o que, dentre outras consequências, tem-se a figura dos excedentes (os que não se enquadram,os que não fazem parte, os que não consomem...) que devem ser mantidos "fora" para que o discurso seja sempre mantido.
"Fora de alcance juntos", o quarto capítulo do livro, fala de como as cidades se transformaram em abrigos e ao mesmo tempo fontes do perigo que se visa proteger. Os condomínios fechados, anunciados como autossustentáveis e funcionando como comunidades fechadas, criando-se uma espécie de "fora" estando "dentro" de algo, seriam o maior exemplo desse fenômenos observado
"A utopia na era da incerteza", capítulo que encerra a obra, trata da utopia sob dois pontos de vista, construindo o autor figuras ilustrativas para metaforizar as formas de se enxergar esse modo de encarar o mundo, a saber, o guarda-caça e o jardineiro, dialogando entre essas posições para refletir se estaríamos testemunhando o fim da utopia.
O livro é pontual e bastante reflexivo. Escrito ao estilo do autor, é bastante claro e compreensível, possibilitando acompanhar o raciocínio de Bauman para se chegar a conclusão de ser a insegurança a marca dos nossos tempos líquidos. Os grandes fenômenos dessa era seriam o desemprego, a criminalidade organizada, a solidão, o terrorismo e o medo sempre presente e insuflado por aqueles que vendem a ideia de segurança pessoal. As grandes cidades seriam o principal palco onde tudo isso é facilmente observável - e Bauman demonstra as razões disso, dentre as quais a própria globalização que acaba por pressionar identidades locais a se abrirem, constituindo essas em estranhos para os outros - que agora juntos convivem, ocasionando, cada vez mais, um ambiente de constante insegurança que se retroalimenta.
Um livro que merece ser lido!