Thiago Duarte 27/03/2024
A selvagem civilização nova
Imagine, num futuro, viver em um novo mundo muito bem desenvolvido e que carrega o seguinte lema "Comunidade, Identidade e Estabilidade". Somado a isso, é ainda mais fascinante quando essa nova civilização se preocupa e quer proporcionar um único requisito: a felicidade dos cidadãos. Essa roupagem seria muito bem vendida se esses ideais, por mais excitantes e prazerosos que pareçam, não fossem formas subversivas e enganosas para dominar a população, porque "Quanto maior é o talento de um homem, mais poder tem ele para desviar os outros." (p. 181).
Em "O Admirável Mundo Novo" acompanhamos as perversas consequências de uma sociedade distópica, onde os avanços tecnológicos e da ciência não são instrumentos benéficos, mas sim dominadores. Já não existe mais relação entre pai e mãe; a paixão é um sentimento repulsivo, enquanto o sexo é estimulado; Religião? nem pensar, agora existe um culto a Henry Ford por conta do fordismo. Os fetos são feitos, produzidos em massa a partir da manipulação da engenharia genética, ou seja, são artificiais. Essa sociedade é dividida em castas da mais altas a mais baixas - Alfas e Ípsilons, respectivamente. Ao nascerem, as crianças são submetidas a uma espécie de lavagem cerebral permitindo que elas aceitem a posição que ocuparão nessa civilização.
Além dessa supressão da liberdade, há o "soma" uma espécie de entorpecente momentâneo que fazem as pessoas esquecerem de momentos infelizes, proporcionando um êxtase. Nesse sentido, essa espécie de "política do pão e circo" é perpetuada a todo custo pelos "grandões" a fim de que consigam controlar a população, dissipando qualquer tipo de questionamento ou reflexão quanto aos papéis que cada um ocupará, haja vista a possível rebelião que poderia resultar.
Contudo, nas narrativas distópicas é muito comum existir personagens que são fora da curva. Nesse caso, nosso protagonista é Bernard Marx, um rapaz de uma casta alta, mas que no seu nascimento, ou melhor, no seu processo artificial de formação, teve alguns procedimentos a mais, fazendo com que ele não se comportasse estritamente como os demais. É então que ele viajará para uma sociedade precária onde as pessoas são conhecidas como selvagens por manterem hábitos que são considerados arcaicos e consequentemente proibidos à civilização do mundo novo. Lá, ele conhecerá uma família que viveu no Admirável Mundo Novo e, então, os convida para voltarem. É a partir daí que o clímax da história se desenvolverá e caos perpetuará.
Finalizo dizendo que esse livro é fantástico. Eu tive um pouco de dificuldade no começo, mas a partir do capítulo quatro tudo se desenvolveu de uma forma ótima que, ao passo que lia, mais vontade eu sentia de o devorar. Admirável Mundo Novo é subversivo, é perverso. Ele conseguiu ocupar a minha segunda colocação de distopia favorita. Enfim, valeu muito a pena a leitura e ainda pontuo o quão ambíguo é a ideia de selvagem para as personagens do livro, pois quem de fato seriam os selvagens: os que fazem a manutenção dos antigos costumes e vivem uma vida precária ou os que vivem numa sociedade perfeita com direito a prazeres momentâneos e a supressão de sua liberdade?