O alemão Günter Grass , prêmio Nobel de Literatura de 1999, fez barulho em 2006 com suas memórias. Nelas, assumiu, pela primeira vez que fez parte da Waffen SS, a tropa de elite de Hitler. A confissão tardia escandalizou a Alemanha. Os críticos acharam que Grass deveria ter contado suas aventuras no front antes de ter virado o porta-voz democrata e consciência da nação. E que deveria ter feito um mea-culpa mais eloqüente. Mas, em 'Nas peles da Cebola' (Record, 420 págs., tradução de Marcelo Backes), Grass evitou tanto a auto-indulgência como o ato de contrição. Trilhou a via mais difícil: ser sincero com suas lembranças, mesmo que imprecisas, e assumir, na velhice, a responsabilidade pelos atos do garoto fascinado pelo nazismo. Sem pedir perdão, exibiu feridas que, para ele, jamais vão cicatrizar.
Grass se concentra em 20 anos de sua formação, que vai do início da Segunda Guerra Mundial à temporada em Paris no fim dos anos 50, quando escreveu seu romance mais famoso, O Tambor (1959). Nascido em Danzig (atual Gdansk, Polônia), em 1927, foi criado num minúsculo apartamento alugado. Seus pais tinham um armazém. A mãe o animou a ler e a preciar a arte. Ele foi desenhista antes de escrever livros - e até hoje ilustra seus romances. O menino careteiro e sarcástico se encantou pelo nazismo e fez questão de se alistar aos 15 anos, na juventude Hitlerista. Mais tarde, participou, com convicção, das operações paramilitares da SS, sobreviveu a três ataques - todos os que estavam com ele morreram - foi capturado pelo Exército americano. Tudo, segundo ele, sem desferir um tiro. A história mais curiosa que ele conta se passa no campo de Bad Aibling.
Grass diz ter encontrado um jovem bávaro, Joseph. Por semanas, os dois caçaram mutuamente os piolhos da cabeça, mascaram cominho escondidos e jogaram dados para ver quem teria o futuro mais brilhante. Joseph ganhou a partida. O futuro mostrou que o bávaro seria mais poderoso. Grass ficou famoso como escritor. Joseph sagrouse papa Bento XVI em 2005.
A atitude impávida e por vezes irônica do autor não tira a emoção do livro. O texto é carregado de lembranças que ele vai descascando como uma cebola. À medida que realiza a tarefa dolorosa, as lágrimas vão caindo sobre as páginas - e se mantêm como rastros nos tipos impressos. Para alguns, lágrimas de crocodilo. Grass extraiu a metáfora da cebola do aforismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: 'A vida é como uma cebola: você descasca camada a camada e descobre que não há nada dentro'. Menos pessimista, Grass descobriu a redenção pela arte, ainda que amarga.